Postado às 04h49 | 09 Set 2020
O presidente americano, Donald Trump, se referia constantemente a líderes negros de nações estrangeiras com insultos racistas. É o que conta o ex-advogado do chefe da Casa Branca Michael Cohen em seu livro "Disloyal: A memoir" ("Desleal: Memórias", em tradução livre), lançado nesta terça-feira nos Estados Unidos. Nas páginas da obra, o ex-conselheiro pessoal e agora desafeto do presidente descreve Trump como uma figura sórdida e mafiosa, disposta a se envolver em táticas dissimuladas contra qualquer um que se oponha a ele.
Cohen conta que o mandatário teria uma enorme admiração pela forma com que presidente russo, Vladimir Putin, lida com o próprio país como se fosse um negócio pessoal. Trump também teria sido consumido pelo ódio por seu antecessor, Barack Obama.
“Como regra, Trump expressou opiniões negativas sobre todos os negros, da música à cultura e à política”, escreveu Cohen em seu livro. Segundo o advogado, o mandatário americano chegou a chamar o ex-presidente da África de Sul Nelson Mandela, símbolo da luta contra o apartheid e a segregação racial em seu país, de um "não líder".
"Diga-me um país governado por uma pessoa negra que não seja um 'lugar de merda'." Essa frase, segundo Cohen, teria sido dita por Trump, sendo mais uma das ofensas que o presidente costuma fazer contra pessoas não brancas.
De acordo com o advogado, até mesmo um dos participantes do reality show de Trump "O aprendiz", Kwame Jackson, foi alvo de ataques: o presidente teria feito afirmações caluniosas e homofóbicas contra o empresário. Cohen explica que a postura de seu ex-cliente se daria pelo profundo desgosto que Trump nutre por qualquer político, celebridade ou atleta negro.
Em seu livro, Cohen diz que a obsessão por Obama era tanta que Trump contratou um sósia o ex-presidente, a quem chamou de "falso Obama", para gravar um vídeo onde depreciava o primeiro chefe de Estado americano negro e depois o demitia. Uma espécie de realização de uma fantasia, conta o advogado, que afirma ser "difícil de imaginar que qualquer adulto gastaria tanto dinheiro para concretizá-la — mas Trump o fez".
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Essa gravação seria exibida na primeira noite da Convenção Republicana de 2012, quando Trump endossou o candidato Mitt Romney, que concorreu contra Obama. Na época, o então magnata tinha insistido para que tivesse algum tempo na programação do evento.
Cohen ficou preso por pouco mais de um ano, após se declarar culpado, em 2018, por não declarar como gastos de campanha pagamentos que fez em 2016 à atriz pornô Stephanie Clifford, conhecida como Stormy Daniels, e a Karen McDougal. Atualmente, ele cumpre, pela segunda vez, pena domiciliar desde julho deste ano — já havia sido liberado da prisão em maio deste ano, por causa da pandemia do novo coronavírus, mas teve que retornar à detenção depois de não aceitar um acordo proposto pela Promotoria para continuar cumprindo sua pena em casa. O juiz do caso, porém, decidiu soltá-lo sob o argumento de que Cohen só estaria preso por causa de uma suposta retaliação ao livro que publicaria.
Entre as demais revelações do advogado, que trabalhou para Trump por mais de uma década, estão as descrições das negociações feitas durante a campanha de 2016 com um funcionário importante da Organização Trump, empresa do presidente, sobre o pagamento das atrizes, que afirmavam na época terem tido casos com o então candidato. Ele também dá detalhes sobre como o tabloide The National Enquirer se tornou uma arma política, com o apoio de Trump, para prejudicar os oponentes do magnata nas primárias republicanas daquele ano.
Questionada sobre os relatos do livro de Cohen, a secretária de imprensa da Casa Branca, Kayleigh McEnany criticou o ex-advogado de seu chefe.
“Michael Cohen é um criminoso sem honra e um advogado falído que mentiu para o Congresso”, disse em um comunicado. “Ele perdeu toda a credibilidade e não é surpreendente ver sua última tentativa de lucrar com mentiras.”
O conglomerado de Trump não se pronunciou sobre o caso.
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Na narrativa de Cohen, as mentiras que contou foram em nome de Trump, fossem nas investigações ou na tentativa de ganhar boas manchetes.
Em seu livro, Cohen alega ser inocente de alguns crimes dos quais se declarou culpado e diz que foi vítima da "máquina de condenações" do governo americano, que também fez ameaças contra sua mulher.
O advogado, porém, pouco diz sobre o que compartilhou com Robert Mueller, o promotor especial que investigou possíveis ligações entre a campanha de Trump com as autoridades russas. Cohen alega que a queda de Trump por Putin se deve aos possíveis negócios que poderia fazer com o presidente russo e a uma admiração que nutre pelo autoritarismo, assim ao ódio mútuo por Hillary Clinton.
Trump amava Putin por sua audácia “em assumir o controle de uma nação inteira e administrá-la como se fosse sua empresa pessoal — como a Organização Trump, na verdade”, diz Cohen.
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No livro, o advogado relembra do projeto que o presidente tinha para construir a Trump Tower em Moscou, que também foi investigado por Mueller. A ideia de ter uma sede de seu conglomerado na Rússia era muito atraente para o magnata, mas seus filhos não confiavam em Felix Sater, um empresário russo do setor imobiliário, para tocar a proposta. O advogado conta que então foi escolhido para cuidar do assunto.
A empresa de Trump é descrita pelo ex-advogado do presidente como uma organização mafiosa, sendo Trump o suposto "dom" da família.
“Como venho dizendo desde o início, Trump era um mafioso, pura e simplesmente”, escreve Cohen.