Postado às 05h11 | 30 Abr 2021
A vice-presidente e a líder da Câmara dos Representantes, num momento histórico para o qual o próprio Biden chamou a atenção. © EPA/MELINA MARA / POOL
Diário de Notícias, Portugal
O presidente norte-americano, Joe Biden, era o centro das atenções no primeiro discurso diante das duas câmaras do Congresso, mas o cenário atrás dele era histórico. Pela primeira vez, além de uma mulher líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, havia uma mulher vice-presidente, Kamala Harris. Algo que o próprio Biden reconheceu: "Senhora speaker. Senhora vice-presidente. Nunca um presidente disse estas palavras deste pódio e já era hora", afirmou no discurso, na véspera de fazer cem dias na Casa Branca.
Kamala Harris, de 56 anos, fez história como a primeira mulher, a primeira afro-americana e a primeira indiana, a ser eleita vice-presidente dos EUA. Antiga adversária de Biden na corrida à nomeação democrata, muitos acreditavam que com a sua ambição poderia roubar o estrelato ao presidente, o mais velho a chegar à Casa Branca, com 78 anos. O facto de o próprio Biden se apresentar, na campanha, como o candidato da "transição", fazia centrar as atenções já em Harris como candidata a presidente em 2024. Mas a vice não parece estar a pensar nisso, apresentando-se como a parceira ideal, presente nas reuniões chave e nos momentos de decisão, construindo a sua relação com Biden, sempre sem o ofuscar.
"Por causa da covid-19, tem havido poucas viagens", disse a chefe de gabinete da vice-presidente, Tina Flournoy, ao site Politico. "Por isso, eles passam muito tempo juntos, mais do que a sua agenda pública provavelmente indica. Ambos vêm para o mesmo sítio, todos os dias, e passam horas junto, o que não aconteceria normalmente nos cem primeiros dias", acrescentou. Depois do discurso, tanto o presidente como a vice-presidente partiram num minipériplo para vender as suas ideias: Biden esteve ontem na Geórgia e estará hoje em Filadélfia; Harris esteve em Baltimore e estará esta sexta no Ohio.
Mas, para os críticos, a vice-presidente tem-se mantido demasiado à parte, nomeadamente na única tarefa específica que Biden lhe entregou: a crise migratória e os esforços diplomáticos para enfrentar as causas da migração de milhares de pessoas para os EUA (o próprio Biden liderou essa iniciativa quando era vice-presidente de Barack Obama, tendo o plano sido abandonado pelo ex-presidente Donald Trump). Só em março, cerca de 170 mil migrantes chegaram à fronteira sul dos EUA (o número mais elevado num mês na última década), sendo muitos deles menores que não vêm acompanhados.
Foi a questão da imigração que esteve na origem de uma falsa polémica com Harris. O The New York Post escreveu que um livro para crianças da vice-presidente estaria a ser distribuído nos "kits de boas-vindas" que os migrantes menores recebem, na prática acusando-a de beneficiar financeiramente com a crise. A informação, que se espalhou nos sites conservadores, revelou-se falsa (só um livro dela, que tinha sido doado por alguém, foi entregue às crianças) e o próprio jornalista demitiu-se, dizendo que teve ordens para escrever o artigo.
Polémicas à parte, Harris tem-se dedicado ao tema, reunindo na segunda-feira, por videoconferência, com o presidente da Guatemala, Alejandro Giammattei. Nessa ocasião anunciou um plano de 310 milhões de dólares de ajuda extra para os países da América Central, reiterando que o objetivo dos EUA é mostrar àqueles que querem partir que haverá oportunidades para ficarem nos seus países de origem. Em junho, a vice-presidente tem prevista uma visita à região.
Os republicanos, que culpam a política de maior abertura de Biden pelo aumento das chegadas, criticam contudo o facto de Harris ainda não ter visitado a fronteira, enquanto as organizações que trabalham com os migrantes se queixam de que a administração ainda não criou um caminho para garantir a cidadania aos que chegaram ilegalmente. No discurso na noite de quarta-feira (madrugada de quinta em Lisboa), Biden mostrou-se confiante em Harris.
No Congresso, o presidente entregou-lhe ainda um novo desafio: garantir a todos o acesso a internet de alta velocidade. "Isto vai ajudar as nossas crianças e os nossos negócios a ter sucesso numa economia do século XXI. E estou a pedir à vice-presidente para liderar estes esforços, porque sei que isso será feito", disse. No discurso, o presidente apresentou ainda os seus planos de biliões de dólares para a recuperação económica depois da pandemia, com programas de apoio às famílias e o "maior plano de emprego desde a II Guerra Mundial". Tudo pago com o aumento de impostos aos mais ricos - "precisam de pagar a sua parte".