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Irmã de Trump chama-o de “cruel e mentiroso”; a sobrinha diz que ele é capaz de tudo para atingir os fins

Postado às 08h35 | 23 Ago 2020

Trump e a irmã mais velha, Maryanne, em 2008.© Ed Jones / AFP

Diário de Notícias, Lisboa, Portugal

A irmã mais velha de Donald Trump descreveu o presidente norte-americano como cruel e mentiroso, cuja falta de princípios faz com que não possa ser de confiança, de acordo com uma gravação secreta que foi divulgada pelo The Washington Post.

Maryanne Trump Barry, uma antiga juíza de 83 anos, criticou o irmão por causa da política de imigração que obrigou a separar as crianças dos pais na fronteira e enviá-las para centros de detenção.

"Tudo o que ele quer fazer é apelar à sua base", disse na gravação. "Não tem princípios. Nenhum."

"Ele está a tweetar e a mentir, meu Deus", acrescenta, naquele que é mais um ataque ao presidente a partir não de um antigo colaborador ou parceiro de negócios, mas da própria irmã

As gravações foram feitas em segredo pela sobrinha de Trump, Mary, que publicou no mês passado um livro de memórias sobre a "família tóxica" que produziu Trump.

O irmão mais novo do presidente, Robert, que morreu na semana passada, foi a tribunal para tentar impedir a publicação do livro -- alegando que Mary estava a violar um acordo de confidencialidade que tinha assinado em 2001 após chegar a acordo em relação à fortuna do avô, mas não conseguiu impedir que o livro chegasse às livrarias.

Cerca de 950 mil cópias foram vendidas no dia em que as memórias foram postas à venda, com a Casa Branca a falar de um "livro de falsidades"

Na gravação, Maryanne Barry diz à sobrinha: "É a falsidade de tudo. É a falsidade e a crueldade. Donald é cruel."

A gravação também permite perceber quem é a fonte da alegação embaraçosa, feita no livro, de que o presidente pagou a alguém para fazer o exame para entrar na universidade por ele.

"Ele entrou na Universidade da Pensilvânia porque teve alguém que lhe fez os exames", disse Barry, acrescentando que se lembrava até do nome do homem".

Em resposta, a Casa Branca emitiu um comunicado para os media norte-americanos de Trump que dizia: "Todos os dias é mais alguma coisa, quem se importa. Eu sinto a falta do meu irmão e vou continuar a trabalhar arduamente pelo povo americano. Nem toda a gente concorda, mas os resultados são óbvios. O nosso país será em breve mais forte do que alguma vez foi!"

O que diz a sobrinha de Trump do tio? É um sociopata perigoso

Pagou a um estudante para fazer o exame de admissão à universidade no seu lugar; no dia em que o irmão morreu no hospital preferiu ir ao cinema. Estas são duas de várias revelações sobre Donald Trump que constam do livro Too Much and Never Enough: How My Family Created the World's Most Dangerous Man (Demasiado e Nunca Suficiente: Como a Minha Família Criou o Homem Mais Perigoso do Mundo), escrito por Mary L. Trump.

Tal como The Room Where It Happened, do ex-conselheiro de segurança nacional John Bolton, o livro de 240 páginas esteve sob ameaça de não ver a luz do dia. Se no caso de Bolton a Casa Branca alegou motivos relacionados com a segurança nacional, neste foi a família Trump, pela mão de Robert, irmão mais novo de Donald, a queixar-se de que Mary L. Trump violou um acordo de confidencialidade acerca da herança de Fred Trump. Mas quer num caso quer noutro os juízes decidiram pela publicação.

A sobrinha de Donald entrou em conflito com a família Trump quando soube que os tios estavam a tentar impedir que ela e o seu irmão, Fred III, recebessem a sua parte da herança de Fred Trump.

Fonte para o Pulitzer

Durante a luta pela herança foi-lhe dito que os bens do avô valiam 30 milhões de dólares. Mas depois de ter sido contactada por um jornalista do New York Times em 2017, a psicóloga reuniu caixas com documentos financeiros que, segundo ela, mostram que o património valia na realidade mil milhões de dólares. No livro afirma ter sido uma fonte chave para a investigação de 2018 daquele jornal sobre as finanças da família Trump, a qual ganhou um Prémio Pulitzer.

Um dos jornalistas do NYT deu-lhe um telemóvel descartável para comunicarem em segurança e Mary diz ter partilhado 19 caixas com material das finanças da família para cumprir uma missão: " Tinha de derrubar Donald Trump."

A editora, Simon & Schuster, aproveitou o interesse gerado e o número de cópias reservadas (é já o número um na Amazon) para antecipar a data da publicação de dia 28 para a próxima terça-feira.

Os principais meios de comunicação norte-americanos receberam uma cópia e começaram a publicar excertos deste acerto de contas. Porquê o livro e porquê agora? "Donald, seguindo o exemplo do meu avô e com a cumplicidade, silêncio e passividade dos seus irmãos, destruiu o meu pai. Não posso deixar que ele destrua o meu país", escreveu, para depois dizer que a sua (in)ação perante a pandemia do coronavírus é uma "flagrante demonstração de desprezo sociopata pela vida humana", o que, aliado ao espectro de uma depressão económica e as clivagens sociais fizeram emergir os "piores efeitos" das patologias de Donald Trump, menos visíveis há um ano.

"A propensão de Donald para dividir e a incerteza sobre o futuro do nosso país criaram uma tempestade perfeita de catástrofes à qual ninguém está menos apto do que o meu tio para as gerir."

Mary L. Trump faz um retrato da sua família e do presidente com base em dados biográficos mas também em análise psicológica, tendo em conta a sua profissão, uma vez que é psicóloga clínica. "As patologias de Donald são tão complexas e os seus comportamentos tão frequentemente inexplicáveis que um diagnóstico preciso e abrangente exigiria uma bateria completa de testes psicológicos e neuropsicológicos que ele nunca aceitará fazer."

Pai sociopata, filho sociopata

A explicação para os desequilíbrios da família reside no patriarca, o implacável empresário Fred Trump. Ou, nas palavras de Mary, um sociopata cujo comportamento agressivo levou à ruína emocional do filho Fred e a que Donald lhe seguisse as pisadas. Fred Jr.

Por exemplo, o pai de Donald via os pedidos de desculpas como um sinal de fraqueza e sobre isto muito se pode dizer sobre o presidente, que até hoje, e nas mais variadas circunstâncias, se mostra incapaz de dar a mão à palmatória. Por exemplo, perante o falhanço inicial dos testes ao coronavírus nos EUA, Trump declinou responsabilidades e culpou Barack Obama.

"Fred detestava quando o seu filho mais velho fazia asneira ou não intuía o que lhe era exigido, mas detestava ainda mais quando, depois de chamado à atenção, Freddy pedia desculpa. Fred ridicularizava-o. Fred queria que o seu filho mais velho fosse, na sua linguagem, um 'assassino'", escreve Mary. Enquanto Donald observava o irmão mais velho sete anos ser vítima do pai, viu nisso uma oportunidade, tendo passado a usar a mentira como uma forma de agradar e de se tornar no filho preferido do pai.

Segundo Mary, a mensagem subjacente a esta primeira competição entre irmãos que Fred fomentou foi a de vencer. "Quer Donald compreendesse ou não a mensagem de base, Fred fê-lo: em família, como na vida, só podia haver um vencedor; todos os outros tinham de perder."

Depois de ter deixado a empresa familiar, Fred Jr. teve uma breve carreira como piloto da companhia aérea TWA no início da década de 1960, pouco antes de Mary ter nascido. Segundo a autora, o pai Fred viu a decisão como "uma traição, e ele não tinha qualquer intenção de deixar o seu filho mais velho esquecer-se disso".

Freddy, escreve Mary, que tentou esconder do pai "o sentido de humor, gosto pela aventura e sensibilidade", contava aos amigos sobre a "incessante onda de abusos" que recebia do seu pai depois de ter entrado ao serviço na TWA.

"Donald pode não ter compreendido a origem do desprezo do pai pelo Freddy e a sua decisão de se tornar um piloto profissional, mas tinha o instinto infalível do touro para encontrar a forma mais eficaz de debilitar um adversário", lê-se no livro.

Por outro lado, "Donald começou a perceber que não havia nada que pudesse fazer de errado, por isso deixou de tentar fazer qualquer coisa 'certa'. Tornou-se mais atrevido e agressivo porque raramente era desafiado ou responsabilizado pela única pessoa no mundo que importava - o seu pai", escreve Mary.

Indiferença

Em contrapartida, o pai de Mary tornou-se num alcoólico com problemas cardíacos, abandonado pela família. A forma como morreu aos 42 anos, de ataque cardíaco, após semanas doente em casa, exemplifica o caráter dos seus parentes próximos. Mary Trump recorda que no hospital vizinho uma ala tinha o nome da família, mas ninguém procurou ajuda médica. "Um único telefonema teria garantido o melhor tratamento para o seu filho em qualquer uma das instalações. Nenhuma chamada foi feita", lamenta.

Também não o acompanharam ao hospital e nessa fatídica noite o irmão Donald preferiu ir ao cinema.

"A única razão pela qual Donald escapou ao mesmo destino é que a sua personalidade se ajustou aos propósitos do pai. É isso que os sociopatas fazem: cooptam os outros e usam-nos para os seus próprios fins - de forma implacável e eficiente, sem tolerância para dissidências ou resistência", escreveu Mary Trump.

Mary L. Trump vê o tio como alguém que "sabe que nunca foi amado", pelo que o "ego de Trump é uma coisa frágil que deve ser reforçada em cada momento, porque no fundo sabe que não é nada do que diz ser".

Exemplo maior, a fraude para entrar na universidade. Numa época pré-digital, Trump pagou a um estudante conhecido para fazer os testes de admissão para poder entrar na Universidade da Pensilvânia. Segundo Mary, Trump estava "preocupado que a sua média de notas, que o colocava longe do topo da sua turma, iria desvalorizar os seus esforços para ser aceite".

"Donald, a quem nunca faltou dinheiro, pagou bem ao companheiro", escreve Mary Trump.

(Tudo menos) self made man

A sobrinha também descreve a ascensão do atual presidente a empresário do ramo imobiliário em Nova Iorque como nada mais do que o apoio financeiro e de influência do pai.

"Os privilégios e a segurança material que a riqueza do seu pai lhe proporcionava, deu-lhe a confiança inabalável para conseguir o que mesmo no início era uma encenação: vender-se não apenas como um playboy rico, mas como um homem de negócios brilhante e que se fez a si próprio. Naqueles primeiros tempos, aquele esforço dispendioso estava a ser entusiasticamente, se bem que clandestinamente, financiado pelo meu avô."

A este propósito também cita a tia Maryanne. "Alguém acredita na treta de que é um self made man, perguntou Mary, ao que a tia, juíza reformada, respondeu: "Bem, conseguiu cinco bancarrotas."

Para Mary Trump, as marcas de personalidade do pai e as suas companhias, como o advogado Roy Cohn, que trabalhou na comissão do senador Joseph McCarthy na chamada caça às bruxas (a alegada atividade comunista nos EUA).

"Fred também tinha dado a conhecer Donald a homens como Cohn, tal como mais tarde seria atraído por autoritários como Vladimir Putin e Kim Jong-un ou qualquer outra pessoa, realmente, com vontade de o elogiar e o poder de o enriquecer", escreve.

 

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