Postado às 04h50 | 25 Ago 2020
O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, disse nesta segunda-feira ao Estadão que ficou constrangido e envergonhado com os recentes ataques do presidente Jair Bolsonaro à imprensa. Procurado pela reportagem para comentar os episódios, Celso de Mello disse que a grosseria revela “perigoso desapreço e claro desrespeito pela liberdade de informação e de imprensa”.
Na manhã desta segunda-feira, Bolsonaro participou do evento “vencendo a covid-19”, no Palácio do Planalto. No discurso, o presidente não fez qualquer menção às vítimas ou a seus familiares, lembrou que já contaminado pelo novo coronavírus e voltou a atacar jornalistas. “Quando pega num bundão de vocês, a chance de sobreviver é bem menor”, afirmou.
No último domingo, em frente à Catedral Metropolitana de Brasília, Bolsonaro disse ter “vontade de encher de porrada” um repórter do jornal O Globo. A atitude gerou forte reação de entidades em defesa da liberdade de imprensa, que cobraram uma “reação contundente” dos Poderes Legislativo e Judiciário. Na ocasião, o chefe do Executivo foi questionado sobre repasses de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), à primeira-dama Michelle Bolsonaro.
“Declarações como essas constrangem-me e entristecem-me como brasileiro e cidadão livre desta República. O direito ao livre exercício da imprensa é uma condição básica e essencial para o gozo e preservação das liberdades fundamentais em uma sociedade democrática. Uma sociedade desprovida de uma imprensa livre é uma sociedade prisioneira da onipotência do poder e do arbítrio dos governantes”, disse Celso de Mello à reportagem.
“A grosseria de qualquer Presidente da República , qualquer que seja a vítima de seu gesto incivil, além de constituir censurável falta de compostura, imprópria e indigna de quem exerce tão elevado cargo na hierarquia da República, também revela perigoso desapreço e claro desrespeito pela liberdade de informação e de imprensa, que representa , entre nós, um dos mais luminosos signos que caracterizam e inspiram qualquer sociedade civilizada e democrática”, acrescentou o decano.
Procurado, o Palácio do Planalto informou que não vai comentar as declarações do ministro.
Inquérito. Celso de Mello é o relator do inquérito que investiga se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal, conforme acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro. Na Corte, na Procuradoria-Geral da República (PGR) e na Polícia Federal, é aguardada com expectativa a decisão de Celso de Mello sobre o depoimento de Bolsonaro na investigação sobre a suposta interferência do chefe do Executivo na PF. Em julho, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo que o presidente possa escolher a forma como prefere depor no inquérito.
Depois de submeter na semana passada a uma cirurgia de sete horas, o ministro informou ao Estadão que recebeu alta no último domingo. “Hoje o médico veio aqui, está tudo bem, graças a Deus. Quero ver se volto logo”, afirmou o decano, que está recluso em São Paulo desde o início da pandemia. “Estou literalmente preso, observando com rigor a necessidade de isolamento social. Acho que é de fundamental importância.”