Postado às 17h21 | 14 Jul 2020
Folha
O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), voltou a criticar, nesta terça-feira (14), o envolvimento das Forças Armadas na gestão da saúde pública do país.
Apesar da reação do governo, o magistrado não recuou sobre a declaração de que o Exército pode estar se associando a um genocídio por ter integrantes nos principais cargos do Ministério da Saúde durante a pandemia do novo coronavírus.
Além disso, ao falar sobre a ameaça a povos indígenas, fez menção a um grupo que, segundo ele, apontou que "o Brasil pode estar cometendo genocídio" contra essa população.
Em relação ao combate à Covid-19, o ministro do STF disse que o debate sobre a responsabilidade das Forças Armadas na crise sanitária está posto e é necessário evitar que a instituição caia “nos triques que são naturais da política”.
As declarações foram dadas na live “O Supremo Tribunal Federal nas Três Décadas de Ordem Democrática Pós 88: Conquista e Desafios”, organizada pelo IDP, que também contou com a presença dos ex-ministros do STF Sepúlveda Pertence (1989-2007), Nelson Jobim (1997-2006) e Cezar Peluso (2003-2012).
Mais cedo, Gilmar havia divulgado uma nota oficial dizendo ter "respeito" pelas Forças Armadas, embora reafirmasse questionamentos sobre o papel da instituição no enfrentamento ao coronavírus.
Em seguida, também nesta terça, o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, disse que Gilmar deveria se retratar pelas declarações dadas no sábado (11), quando o ministro do STF disse que o Exército estava se associando ao genocídio.
Na segunda-feira (13), o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e os chefes do Exército, general Edson Leal Pujol, da Marinha, almirante Ilques Barbosa Junior, e da Aeronáutica, brigadeiro Antonio Carlos Bermudez, rebateram Gilmar e anunciaram que irão acionar a PGR (Procuradoria-Geral da República) contra ele.
Nesta terça, o ministro do STF tentou amenizar a situação e disse que a declaração dada no sábado ocorreu em um “contexto puramente acadêmico”. Apesar disso, ele manteve a mesma posição.
“São 28 militares nos cargos da cúpula do ministério, dificuldade de executar o orçamento, colapso portanto do serviço de saúde”, afirmou.
Gilmar disse ainda que participou recentemente de uma videoconferência com o fotógrafo Sebastião Salgado e que a ameaça aos índios é uma realidade do país.
“Participamos recentemente de um webinar com Sebastião Salgado e a temática foi toda de ameaça aos povos indígenas. Salgado liderou um grupo apontando que o Brasil pode estar cometendo genocídio. Então, é esse debate. A responsabilidade que possa ocorrer”, disse.
Ele lembrou que o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o médico Dráuzio Varella participaram da mesma videoconferência no sábado e também seguiram esse raciocínio.
“O ministro Mandetta inclusive sou uma expressão dizendo que se o general que lá está [Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde] e que é especializado em logística, talvez fosse mais especializado em balística, tendo em vistas o número de mortes que ele conseguiu. Portanto, foi nessa conversa que se desenvolveu”, disse o ministro em videoconferência transmitida ao vivo.
Gilmar também criticou a postura do governo federal de tentar se eximir de culpa pela crise da pandemia por causa da decisão do STF que atribuiu a prefeitos e governadores a competência para regulamentar o isolamento social.
“O Supremo disse apenas que isso era uma competência compartilhada, como está no texto constitucional. Mas o presidente esquece esta parte e diz sempre que a responsabilidade seria do Supremo e a responsabilidade seria dos estados. Então eu disse: se de fato se quer mostrar isso do ponto de vista político, isso é um problema e isso acaba sendo um ônus para as Forças Armadas, para o Exército, porque eles estão lá inclusive na condição de oficiais da ativa.”
Na nota oficial divulgada mais cedo nesta terça, Gilmar disse que é preciso fazer uma “interpretação cautelosa do momento atual”.
“Em um contexto como esse, a substituição de técnicos por militares nos postos-chave do Ministério da Saúde deixa de ser um apelo à excepcionalidade e extrapola a missão institucional das Forças Armadas. Reforço, mais uma vez, que não atingi a honra do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica”, afirmou.
Apesar disso, retomou as críticas: “Apenas refutei e novamente refuto a decisão de se recrutarem militares para a formulação e execução de uma política de saúde que não tem se mostrado eficaz para evitar a morte de milhares de brasileiros”.