Postado às 06h16 | 24 Mai 2021
Globo
O gasto com pessoal militar cresceu mais em 2020 do que a projeção feita pelo Ministério da Defesa para a primeira fase da reestruturação das carreiras aprovada em 2019.
Dados do Painel Estatístico de Pessoal (PEP), do Ministério da Economia, apontam que o aumento nessas despesas foi de R$ 5,55 bilhões. O valor é 17% maior do que a Defesa previu à época da reforma no sistema de aposentadorias das Forças Armadas.
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As mudanças na carreira dos militares incluíram, por exemplo, pagamento de adicional por curso realizado, resultando no aumento da remuneração desses profissionais. Elas foram aprovadas no mesmo ano que a reforma da Previdência da categoria.
Em 2019, a Defesa estimou que o primeiro ano da reestruturação teria impacto de R$ 4,73 bilhões. Mas os dados do painel da Economia apontam que os gastos com pessoal militar somaram R$ 80,5 bilhões em 2020, alta de R$ 5,5 bilhões e, portanto, 17% superior ao projetado.
Em duas décadas, a reestruturação da carreira levará a um gasto extra de R$ 217,66 bilhões, de acordo com projeções da pasta da Economia. Elas não consideram as revisões de regras para os inativos, mas acendem um sinal de alerta.
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Procurado, o Ministério da Defesa não comentou os números do painel da Economia e afirmou que houve economia no ano passado, se considerados os efeitos da reforma.
De acordo com a pasta, houve aumento de gastos com pessoal de R$ 4,84 bilhões e geração de receitas de R$ 5,55 bilhões.
A pasta também informou que, com a pandemia de Covid-19, houve necessidade de convocar pessoal para a área de saúde e prorrogar o tempo do Serviço Militar.
No longo prazo, a Defesa alega que o aumento de gastos decorrente da reestruturação militar será compensado com mudanças nas regras para a reserva militar, que devem gerar economia de R$ 251,4 bilhões em duas décadas. O saldo para o governo seria, portanto, positivo em R$ 33,7 bilhões.
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“Cabe ressaltar que não houve aumento da remuneração em 2020, mas uma adequação dos percentuais visando à valorização da carreira e a institucionalização de uma política pública do Estado brasileiro para os militares, necessária para que se mantenha um adequado grau de atratividade e estímulo à permanência de profissionais qualificados nas fileiras das Forças Armadas”, disse a Defesa, em nota.
“Os militares são um grupo central de apoio ao Presidente da República e estão usando esse cacife político para obter ganhos ”
MARCOS MENDES
Pesquisador do Insper
A reforma nas carreiras dos militares é exemplo de como o grupo, que está na base de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, tem sido beneficiado em ações do governo. Os acenos a profissionais da segurança não se restringem a essa classe.
No começo do ano, o presidente articulou com deputados uma emenda para relaxar os efeitos fiscais do ajuste nas contas previsto na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que viabilizou a nova rodada do auxílio emergencial. O objetivo foi blindar forças de segurança — como policiais — do congelamento salarial.
Para a Economia, o resultado foi negativo: os deputados modificaram o texto e liberaram a progressão e promoção de servidores de União, estados e municípios mesmo na crise, limitando o impacto fiscal da medida.
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Na opinião do economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, como grupo aliado ao presidente Jair Bolsonaro, os militares vêm acumulando privilégios nos últimos anos.
— Os militares são um grupo central de apoio ao Presidente da República e estão usando esse cacife político para obter ganhos. Desde a reforma da Previdência até a recente portaria que permite ultrapassar o teto salarial, vemos uma sucessão de privilégios — avalia.
Mendes se refere à portaria editada recentemente pelo Ministério da Economia, que permite o acúmulo de salários e aposentadorias para servidores acima do teto constitucional.
A ala militar do governo faz parte do grupo beneficiado, que poderá receber vencimentos até 66% acima do teto, que é de R$ 39,2 mil.
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A professora de economia do Insper Juliana Inhasz acrescenta que o ponto central é o momento em que as benesses são concedidas e como isso distancia os militares das demais categorias de servidores e da sociedade:
— O problema não é gastar mais com militares só. O problema é de onde está saindo esse dinheiro para gastar mais com militares num período em que o PIB está caindo, como estamos realocando as prioridades.
Para 2021, a estimativa da Defesa era de que a nova etapa da reestruturação das carreiras militares custaria R$ 7,06 bilhões.
A pasta foi questionada se a projeção estava mantida, porque não há especificação na lei orçamentária deste ano referente a esse reajuste, mas não respondeu a esta pergunta.
Consultores legislativos do Congresso ouvidos pelo GLOBO explicaram que, de cinco anos para cá, os reajustes plurianuais, como os da reestruturação das carreiras militares, deixaram de ser explicitados no Orçamento, e o montante já vem incorporado à previsão de despesas geral.
A avaliação é que isso enfraquece o controle sobre as despesas e impede a discussão sobre a necessidade dos aumentos em tempos de restrições fiscais.
Em tempos de restrições fiscais, o tratamento conferido aos militares se diferencia do recebido pelos demais servidores.
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Enquanto os gastos com pessoal militar cresceram 7,3% entre 2019 e 2020, com os servidores civis esse avanço foi de 1,31%.
Essa diferença é explicada pelo congelamento de reajustes a que foram submetidos esses servidores. Como uma contrapartida para as ações de enfrentamento à pandemia da Covid-19, os reajustes dos servidores civis foram suspensos por dois anos.
Os militares ficaram de fora desse aperto no cinto, assim como também não estão incluídos na proposta de reforma administrativa, que pode alterar as regras para os futuros funcionários civis do Executivo.