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Flávio Rocha escreve artigo na "Folha": "O direito de contestar"

Postado às 05h05 | 30 Jun 2020

Flávio Rocha

Presidente do conselho de administração do grupo Guararapes

Empresário Flávio Rocha responde à reportagem 'Fisco aponta manobras tributárias de empresários ligados a Bolsonaro' publicada na Folha

O Brasil, e isso não é segredo para ninguém, é um país com uma das mais complexas e mais injustas cargas tributárias do mundo. Pagamos muito imposto e o emaranhado de leis, regramentos, exceções, códigos, estatutos e ordenações ligadas aos impostos é digno de um romance kafkiano. Essa realidade tem como resultado prático que o Brasil é hoje um portento em termos de litígios na área tributária.

Estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) de 2019 mostrou a velocidade do aumento do contencioso tributário federal, que cresceu 51% nos últimos cinco anos. Em 2013, o estoque na esfera federal estava avaliado em R$ 2,275 trilhões, o que equivalia a 42,7% do PIB. No ano passado, alcançou R$ 3,440 trilhões, valor correspondente a 50,4% das riquezas geradas pelo País.

Matéria recente publicada nesta Folha (Fisco aponta manobras tributárias de empresários ligados a Bolsonaro, 24 de junho de 2020, pág. A3) no afã de adjetivar empresários por eventuais posicionamentos políticos omite o tamanho do problema e força ao entendimento inclinado.

A Riachuelo, empresa fundada por meu pai há mais de 70 anos, é seguramente hoje uma das empresas que mais paga impostos no país. Somente em 2019 foram cerca de R$ 1 bilhão recolhidos aos cofres públicos nas esferas federal, estadual e municipal. É preciso deixar bem claro para todos que contestação tributária não é sinônimo de evasão fiscal. Fazer a devida contestação sobre temas tributários é algo assegurado a todos os indivíduos e organizações pela normativa brasileira.

Nos orgulhamos de ser uma empresa que gera mais de 40 mil empregos diretos e cerca de 1 milhão de indiretos em todo o país, e fazemos questão de contribuir com o nosso justo quinhão para a construção de um Brasil cada vez melhor. Mas isso não quer dizer que não temos o direito de questionar eventuais erros ou desvios causados pela altíssima complexidade de nosso código tributário, e é essa distinção que a supracitada matéria deixa de fazer.

Os débitos apontados no texto não são fruto de desvios ou camuflagem de lucros, mas sim uma justa contestação de valores cobrados —regiamente pagos— de forma absolutamente indevida pelas autoridades. Esta é a nossa maneira de atuar, sempre por vias legais, que inclusive já nos garantiu um histórico formado por pareceres judiciais favoráveis que somam, em uma década de debate nos tribunais, cerca de R$ 1,2 bilhão que voltaram para a empresa e puderam financiar nosso crescimento e, consequentemente, a geração de mais empregos.

A defesa da necessidade de uma reforma tributária é provavelmente uma das poucas unanimidades que temos neste país. Mas o diabo, como não poderia deixar de ser, mora nos detalhes, e nós ainda não conseguimos chegar a um consenso sobre como deveria ser esta reforma. O fato é que vivemos em uma nação que cobra mais de R$ 1,5 trilhão em impostos de seus cidadãos, e isso já deixou de ser suportável há muitos e muitos anos.

Precisamos simplificar todo o sistema, reduzir a pressão sobre os cidadãos e sobre as empresas grandes, médias, pequenas e micro. Temos de desenvolver um novo código que esteja alinhado com a revolução tecnológica que o mundo atravessa nesse século, e que estimule o empreendedorismo, a criação de novas formas de trabalho e que tenha como objetivo final servir à sociedade como um todo, e não somente ao leviatã estatal que acabamos criando. Enquanto isso não acontecer muitas empresas serão obrigadas a continuar lutando contra as injustiças de um sistema que já se provou ultrapassado há muito tempo.

A MATÉRIA PUBLICADA NA FOLHA (23.06.20) E CONTESTADA NO ARTIGO ACIMA É TRANSCRITA A SEGUIR:

Receita Federal aponta manobras tributárias de empresários ligados a Bolsonaro

Valores cobrados em autuações do fisco chegam a R$ 650 milhões; débitos são alvo de contestação em conselho

 Receita Federal multou empresários bolsonaristas por supostas manobras tributárias. A intenção seria, segundo auditores do órgão, evitar pagamento integral de impostos.

Entre as irregularidades apontadas está a simulação de operações de compra e venda de aeronaves. A Receita vê também uso de documentos falsificados para recolher contribuições previdenciárias.

Levantamento feito pela Folha mostra que oito empresários ligados ao governo devem cerca de R$ 650 milhões.

São valores cobrados pela Receita, contestados no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Esta é a última instância de questionamentos no Executivo.

Há também registros na PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional). Após decisões judiciais, o órgão cobra pendências transitadas em julgado e registradas na dívida ativa da União.

Segundo empresários consultados pela Folha, na gestão Bolsonaro o Carf se tornou mais amigável. Agora, o governo deixou de ter voto de desempate nas autuações superiores a R$ 5 milhões.

Antes havia a queixa de que o fisco mantinha a punição graças ao voto de minerva do então representante do Ministério da Fazenda em caso de empate no Carf. O contribuinte, nesse caso, saía prejudicado.

Em janeiro deste ano, os empresários Rubens Menin, dono da MRV Engenharia e principal acionista do canal CNN Brasil, e Salim Mattar, um dos fundadores da Localiza e hoje secretário de Desestatização e Privatização do Ministério da Economia, recorreram ao Carf de uma multa aplicada pelo fisco que, se fosse paga à vista nesta quarta-feira (24), seria de cerca de R$ 140 milhões.

No recurso, a que a Folha teve acesso, os empresários questionam a possibilidade de a Receita fazer cobrança referente a operação envolvendo um jato executivo da marca Falcon ocorrida em 2011.

Eles afirmam no processo que não são os proprietários do avião e apresentaram um contrato de aluguel com a Líder Táxi Aéreo. A empresa seria a importadora do avião usado exclusivamente por eles. Os auditores, no entanto, verificaram o pagamento de US$ 4 milhões à época feito pelos empresários à fabricante do avião, a Dassault. Para eles, o valor seria um sinal da compra.

Também foi constatado um financiamento para a aquisição do bem no Bank of America, que teria feito um pagamento pela aeronave à Dassault à vista e ficado com os US$ 4 milhões como garantia.

Salim afirmou, em nota, que a operação de aluguel do jato feita em conjunto com Menin foi legítima e “realizada de acordo com a legislação vigente”. Menin não havia respondido até a conclusão deste texto.

A aeronave era usada pelos empresários, segundo os auditores, para negócios particulares e de suas empresas.

Salim comandava à época a Localiza, que também tem débitos inscritos na dívida ativa da União. Ele deixou a empresa para assumir o cargo no governo em 2019.

O secretário não respondeu às questões sobre a Localiza. A assessoria de imprensa da empresa informou que a inscrição dos débitos é indevida.

“Houve um erro de digitação no preenchimento da declaração de débitos tributários federais. O valor correto já foi quitado dentro do prazo de vencimento”, disse a Localiza.

A PGFN informou que o débito foi lançado há cerca de dez dias e está pendente.

Dentre os bolsonaristas, Luciano Hang, dono das Lojas Havan, é o recordista em infrações e contestações no Carf, segundo os técnicos.

Na Receita, a Havan deve ao menos R$ 57,9 milhões. Há ainda R$ 13,2 milhões em cobrança pela PGFN e mais R$ 123 milhões parcelados pelo último Refis (programa de repactuação de dívidas tributárias).

Havan já foi multada por ora esconder receitas, ora despesas na contabilidade como forma de gerar resultados menores de tributos a pagar.

No caso considerado mais grave, Hang teria sonegado valores devidos em contribuição previdenciária de funcionários se valendo de documento que, segundo ele, comprovaria a existência de créditos a serem compensados.

A Receita, porém, afirma que os créditos nunca existiram. Diante da suspeita de fraude de documento, o órgão encaminhou o caso para o MPF (Ministério Público Federal), em Santa Catarina.

A autuação é de 2013. Em valores corrigidos, Hang deve R$ 2,5 milhões. O empresário cometeu infração semelhante em processo de 2003. Ele foi condenado pela Justiça, mas fez acordo e se livrou da pena.

Consultado, Luciano Hang não quis comentar os casos.

Na lista de empresários em disputas com o fisco e a PGFN constam ainda Flávio Rocha (Riachuelo)Junior Durski (restaurantes Madero)Edgard Corona (SmartFit) Sebastião Bonfim (Centauro).

​Rocha afirmou que os débitos da Riachuelo e da confecção Guararapes são indevidos. “Por isso, apresentamos garantias [seguros e fianças bancárias] e exercitamos nosso direito constitucional à ampla defesa”, disse à Folha.

Os outros empresários não haviam respondido até a conclusão deste texto.

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