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Flávio Bolsonaro desconsiderou norma de Tancredo sobre compras e vendas por governantes

Postado às 05h23 | 07 Mar 2021

Elio Gaspari

Flávio Bolsonaro comprou uma casa de R$ 5,9 milhões com R$ 3,1 milhões financiados pelo Banco de Brasília, cujo maior acionista é o governo do Distrito Federal. Com uma renda familiar declarada de R$ 37 mil mensais brutos, deverá aguentar uma mensalidade de R$ 18 mil. Poderá viver sem pedir auxílio emergencial.

O doutor ganhou fama de empreendedor com uma casa de chocolates da Kopenhagen e em 16 anos fez 20 transações imobiliárias, muitas delas quitando parte dos pagamentos em dinheiro vivo. Filho do capitão Jair Bolsonaro, elegeu-se deputado estadual no Rio em 2002, aos 21 anos, e senador em 2018.

Mansão comprada por Flávio Bolsonaro, em Brasília

Flávio Bolsonaro descumpriu uma norma, explicitada por Tancredo Neves em 1963: “É norma ética consabida que o governante não compra nem vende nada”.

Era pura sabedoria. Lula deu-se mal porque usufruiu o sítio de Atibaia e discutiu a compra de um apartamento no Guarujá. Juscelino Kubitschek foi muito mais longe, adquirindo um apartamento na avenida Vieira Souto.

Na “nova política” dos Bolsonaro faltam os pilares da cultura histórica de Tancredo. Nela, abunda aquilo que o presidente americano Joe Biden acaba de chamar de “pensamento de neandertal”. Rachadinhas podem ser coisas da Idade da Pedra.

A repórter Malu Gaspar mostrou que na “nova política” acontecem também golpes da modernidade, como a utilização de informações vindas do coração do governo para se ganhar um dinheirinho fácil no mundo do papelório.

Às 17h15 de quinta-feira, dia 18 de fevereiro, terminou uma reunião no Palácio do Planalto. Dela participaram o presidente Bolsonaro e, por ordem alfabética, os ministros Augusto Heleno, Bento Albuquerque, Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos, Paulo Guedes e Tarcísio de Freitas. Nela o capitão manifestou seu desconforto com o presidente da Petrobras.

Às 17h35, uma mão invisível do mercado operou uma aposta de R$ 2,6 milhões na baixa nas ações da Petrobras. Passados nove minutos, outra, de R$ 1,4 milhão. Nunca haviam acontecido operações desse tamanho em tão pouco tempo. Às 19h (85 minutos depois da primeira aposta), Bolsonaro anunciou que “alguma coisa” aconteceria na Petrobras. Malu Gaspar mostrou que até as 17h15, quando terminou a reunião do Planalto, aconteceram 41 transações com algo mais de 2.000 apostas. Depois que a reunião terminou, em apenas 39 minutos foram negociadas 2,5 milhões de apostas.

Quem conhece o mercado estima que o dono, ou os donos, da mão invisível embolsaram algo como R$ 18 milhões com a queda do valor da ação da Petrobras no dia seguinte.

À primeira vista, os órgãos de controle do governo poderão desvendar essa salada de números. Contudo, durante o governo Bolsonaro o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação soltou um edital prevendo a compra de R$ 3 bilhões de equipamentos para a rede pública de ensino.

A Controladoria-Geral da União, órgão de controle do governo, sentiu cheiro de queimado. Afora os indícios de direcionamento, 355 colégios receberiam mais de um laptop por aluno. Quarenta e seis ganhariam mais de dois e um deles, em Itabirito (MG), teria direito a 30 mil. Cento e dezoito para cada aluno.

A CGU funcionou. O edital foi suspenso e logo depois cancelado, mas até hoje ninguém explicou como e por quem foi produzido o jabuti. Nem em pizza deu, deu em nada.

RECORDAR É VIVER

Em 1969, um comando da Vanguarda Armada Revolucionária roubou um cofre guardado na casa da namorada do ex-governador paulista Adhemar de Barros. Quando o arrombaram, encontraram cerca de US$ 2,5 milhões de dólares (algo como US$ 18 milhões de hoje). Parte do ervanário ainda estava com as cintas de papel de um banco suíço.

 

A poderosa máquina da ditadura identificou 15 pessoas envolvidas no assalto. Quatro foram mortos e sete foram presos nos meses seguintes. Um deles morreu sob tortura num quartel. Sua autópsia, feita no Hospital Central do Exército, apontou dez costelas quebradas e pelo menos 53 marcas de pancadas.

Imenso foi o esforço para se descobrir o que foi feito com o dinheiro. Nula foi a curiosidade para saber como ele foi parar no cofre. Adhemar era conhecido por ter uma “caixinha” e apreciava o slogan “rouba, mas faz”.

Com a ajuda de um amigo militar, a dona da casa sustentou que o cofre estava vazio. Nem em pizza o cofre do Adhemar deu. Deu em nada.

A ditadura negava que torturasse presos e orgulhava-se de ter uma Comissão Geral de Investigações para caçar corruptos. À época, era presidida por generais.

Guedes misturou cloroquina com cloro de piscina ao comparar Brasil a Argentina e Venezuela

Na Saúde, governo vende sonhos que não podem cumprir sobre vacinas

TARCÍSIO ESTÁ NOUTRA

Tarcísio de Freitas, ministro da Infraestrutura, só convive com as moscas de padaria. Não é candidato a nada e não quer ser. Até porque já decidiu: quando sair do governo irá para a iniciativa privada.

GUEDES E MARITZA IZAGUIRRE

Outro dia, o ministro Paulo Guedes disparou uma urucubaca: “Para virar a Argentina, seis meses; para virar Venezuela, um ano e meio”.

Misturou cloroquina com cloro de piscina. A Argentina teve projetos liberais mal conduzidos e fracassados. Na Venezuela, isso nunca aconteceu. O projeto de demagogia miliciana de Hugo Chávez era político.

Em 1999, quando o coronel Chávez assumiu, o tal de “mercado” torceu para que a manutenção de Maritza Izaguirre no Ministério da Fazenda garantisse alguma racionalidade. Um ano depois, Izaguirre foi substituída e voltou para o Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Chávez chegou prometendo “mercado até onde for possível e Estado apenas onde for necessário”. Era lorota.

SONHAM ACORDADOS

Quando o governador João Doria anunciou que em janeiro começaria a vacinação em São Paulo, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, coronel da reserva Elcio Franco (aquele que usa brochinho de crânio atravessado por uma faca), disse o seguinte:

“Senhor João Doria, não brinque com a esperança de milhares de brasileiros, não venda sonhos que não possa cumprir, prometendo uma imunização com um produto que sequer possui registro nem autorização para uso emergencial”.

No dia 17 de janeiro, foi vacinada no Hospital das Clínicas a enfermeira Mônica Calazans. Jogo jogado.

Na quinta-feira (4), a repórter Paula Ferreira mostrou que Franco encaminhou ao Senado uma planilha informando que neste mês o ministério distribuirá 38 milhões de vacinas.

No dia 17 de fevereiro, o general Eduardo Pazuello anunciou que entregaria 46 milhões de imunizantes. Onze dias depois, a previsão baixou para 39,1 milhões. Em duas semanas, evaporaram-se 7,9 milhões de vacinas.

O doutor deveria entrar na sala do general Pazuello admitindo:
“Chefe, estamos brincando com a esperança de milhares de brasileiros, vendendo sonhos que não podemos cumprir”. (O Ministério da Saúde levou em conta 8 milhões de doses de um laboratório que ainda não deu entrada ao pedido de autorização da Anvisa, mas deixa pra lá.)

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