Postado às 16h52 | 17 Dez 2020
Diário de Notícias, jornal português
0 Orei da Suécia admite que o país escandinavo falhou com a sua estratégia de combate ao coronavírus, o que provocou com um número de mortos muito maior do que nos seus vizinhos nórdicos.
No seu discurso anual de natal dirigido aos suecos, que será transmitido na íntegra na próxima segunda-feira (21), Carlos Gustavo XVI diz que o país sofreu "muito em condições difíceis" e considera "traumático" que muitos parentes das quase 8.000 vítimas mortais de covid-19 no país não tivessem podido sequer despedir-se delas.
"Acho que falhámos. Temos um grande número de mortos e isso é terrível. É algo com que todos sofremos", disse o monarca, em comentários divulgados já esta quinta-feira.
Entre a família real sueca, o príncipe Carlos Filipe, que é o quinto na linha de sucessão, e sua esposa, a princesa Sofia, foram infetados com covid-19, tendo vivenciado apenas "sintomas moderados" da doença.
Os comentários do rei Carlos Gustavo, que é o chefe de Estado mas não desempenha quaisquer poderes políticos, surgiram na sequência das conclusões apresentadas na terça-feira por uma comissão independente que examinou a forma como a Suécia está a lidar com a pandemia. O relatório aponta grandes deficiências estruturais nos cuidados em lares de idosos e refere que as autoridades se mostraram mal preparadas e equipadas para enfrentar a pandemia.
A estratégia leve da Covid da Suécia, sem bloqueio formal, sem recomendações para o uso de máscaras faciais e regras de quarentena mais fracas do que em qualquer outro lugar na Europa, tem sido alvo de intensos debates internacionalmente. Mas também no país a estratégia, que mereceu um amplo apoio inicial, começa a ser mais questionada.
Esperava-se que a estratégia sueca poupasse o país de uma segunda vaga da doença neste outono, mas isso não aconteceu e o primeiro-ministro Stefan Lofven já disse publicamente que as autoridades de saúde avaliaram mal o impacto da última onda da pandemia.
Apesar da adoção de medidas mais rígidas pelas autoridades nas últimas semanas, a Suécia e sua atípica estratégia enfrentam grandes dificuldades nesta segunda vaga. "As autoridades de saúde pública tinham preparado três cenários diferentes no verão. Tomámos como referência o pior, mas a realidade está duas vezes pior do que se temia", afirmou à AFP Lars Falk, diretor do departamento de Unidade de Cuidados Intensivos no hospital Karolinska de Estocolmo.
Nesta altura, a Suécia debate-se com serviços de reanimação sob pressão, a demanda por reforços de profissionais de saúde qualificados em Estocolmo, taxa de mortalidade até 10 vezes superior a dos vizinhos nórdicos.
"Lamentavelmente, o nível de contágios não diminui. Isto é muito preocupante", declarou à AFP o diretor de saúde da região de Estocolmo, Björn Eriksson, que descreveu uma "pressão extrema sobre o sistema de saúde".
"Já chega! Não vale a pena ir beber algo depois do trabalho, encontrar pessoas fora de casa, fazer compras de Natal ou tomar um café: as consequências são terríveis", declarou na semana passada.
No início da semana, os internamentos por covid-19 na Suécia igualaram o pico de abril, com quase 2.400 doentes. O número total de mortes chegou a 7.802 na quarta-feira (16) - mais de 1.800 desde novembro - e o de novos casos aproxima-se de níveis recorde, com mais de 6.000 por dia em média, de acordo com os dados oficiais. Números que contrastam com os dos vizinhos, como a Noruega (402 mortes) e a Finlândia (472), ambas com cerca de metade da população.
Uma sondagem para o jornal Dagens Nyheter nesta quinta-feira (17) mostra que o apoio à agência de saúde pública da Suécia e ao seu epidemiologista chefe Anders Tegnell continua a cair, embora continue maioritariamente favorável.
A proporção de suecos que confia fortemente na agência caiu 7 pontos percentuais, para 52%, refere a sondagem, citada pelo Financial Times, enquanto o apoio de Tegnell caiu 6 pontos percentuais, para 59 %. O apoio público a Tegnell tem caído desde que a Suécia foi duramente atingida pela segunda onda de Covid-19, algo que Tegnell tinha insistido na primavera e no verão ser improvável devido ao facto de a Suécia ter tido uma primeira vaga mais pesada.
Sem máscara, encerramento de bares, restaurantes e lojas, nem quarentena obrigatória, a Suécia distinguiu-se por uma estratégia baseada essencialmente em "recomendações" e poucas medidas coercivas.
Diante do aumento expressivo dos casos, as autoridades anunciaram recomendações mais restritas - como o convívio apenas com pessoas da mesma residência -, mas o não cumprimento não é penalizado.
O país escandinavo garante que nunca perseguiu a imunidade coletiva, ao contrário da ideia generalizada sobre os objetivos da estratégia sueca, mas as autoridades de saúde, no entanto, consideraram por muito tempo que o nível elevado de contaminação na primavera permitiria, sem dúvida, conter de maneira mais fácil um ressurgimento da epidemia a longo prazo.
"Acredito que teremos uma contaminação relativamente baixa no outono", afirmava em agosto o epidemiologista chefe do país, Anders Tegnell.
Os fatos deram razão a Tegnell por algum tempo, mas a segunda onda, que a Suécia acreditava que conseguiria evitar, acabou por atingir o país, apenas um pouco mais tarde que em outras regiões da Europa.
A taxa de sobremortalidade superou 10% em novembro, de acordo com o Instituto de Estatística, e deve piorar nas próximas semanas.
"A maioria dos especialistas não viu a onda diante deles, falavam de focos localizados", declarou esta semana o primeiro-ministro Stefan Lofven numa entrevista ao jornal Aftonblad.
"Apertámos os parafusos, mas acho que devemos fazer ainda mais, sobretudo durante o período de festas de fim de ano", disse Falk, diretor do departamento de Unidade de Cuidados Intensivos no hospital Karolinska de Estocolmo.
Nas últimas semanas foram adotadas algumas medidas, como o encerramento de algumas instituições de ensino, a proibição das reuniões com mais de oito pessoas e a venda de bebidas alcoólicas a partir das 22.00.
O governo recuperou também um projeto de lei que permitirá fechar as lojas e os restaurantes, mas a entrada em vigor está prevista apenas para meados de março.
---
Aclamada por alguns, mas olhada com desconfiança por outros, a abordagem "mais suave" da Suécia para conter a pandemia Covid-19 ganhou manchetes em todo o mundo.
Tal como aconteceu com outras nações, o país escandinavo ajustou a estratégia nos últimos meses, no meio de uma segunda vaga.
Qual é a estratégia sueca?
Considerando ser impossível parar o vírus completamente, as autoridades suecas visaram proteger prioritariamente os idosos e os grupos de risco.
Inicialmente, planearam permitir que o vírus se propagasse lentamente na sociedade, a um ritmo que não sobrecarregasse os serviços de saúde. Não impuseram bloqueios nem fecharam escolas para menores de 16 anos e sempre aconselharam o distanciamento social em detrimento do uso de máscaras. Lavar as mãos com frequência, trabalhar em casa e ficar em casa ao primeiro sinal de sintomas também foram destacadas nos apelos aos cidadãos.
Abril trouxe uma das poucas proibições, com a suspensão das visitas a lares de idosos.
Quando a segunda vaga começou, em outubro, a Agência de Saúde Pública e o governo começaram a emitir recomendações mais rígidas, primeiro nas regiões mais afetadas e depois em todo o país a partir de 14 de dezembro.
Isso inclui apelos para evitar transporte público e lojas lotadas, bem como limitar as interações sociais a uma só família ou a pessoas que já têm contacto regular.
Em novembro, o governo proibiu a venda de álcool a partir das 22.00 até fevereiro e reduziu o limite de eventos públicos de 50 para oito pessoas.
O primeiro-ministro Stefan Lofven exortou as pessoas a cancelarem todos os compromissos sociais e não irem ao ginásio, biblioteca, shopping centers ou outros locais públicos.
O governo também ordenou que escolas secundárias adotassem aulas online de 7 de dezembro a 6 de janeiro.
As autoridades de saúde pública insistem que combater a pandemia é "uma maratona, não uma corrida", e que as medidas devem ser sustentáveis a longo prazo.
Em geral, os suecos também têm um alto nível de confiança nas autoridades e o governo, por sua vez, depende muito de agências especializadas.
A estratégia foi, portanto, orientada pela Agência de Saúde Pública, que argumentou que as medidas draconianas de bloqueio não são eficazes o suficiente para justificar o impacto negativo na sociedade.
E, ao contrário da maioria dos outros países, a Suécia não possui legislação que permite ao governo fechar a sociedade em tempos de paz.
O governo está, por isso, a preparar uma "lei pandémica" temporária, de um ano, que pretende implementar a partir de março de 2021. Isso capacitaria o governo sueco a limitar o número de pessoas em locais públicos e regulamentar negócios e serviços, restringindo o horário de funcionamento ou mesmo fechando-os.
A eficácia da estratégia tem sido intensamente debatida, no país e no exterior.
O número de mortos Covid-19 na Suécia é quase seis vezes o número combinado dos vizinhos Dinamarca, Noruega e Finlândia, bem como da Islândia, que adotaram medidas mais rígidas.
No entanto, muitos outros países europeus que impuseram confinamentos, como França, Itália, Espanha e Grã-Bretanha, tiveram um desempenho pior do que as 772,5 mortes por milhão de habitantes apresentados pela Suécia.
Em maio, o governo sueco admitiu que "falhou" na proteção aos idosos em asilos, onde quase metade das mortes foram registadas.
A 15 de dezembro, uma comissão independente concluiu que a Suécia falhou nos seus esforços para proteger os idosos, embora também tenha notado que parte dessa falha estava relacionada a falhas sistemáticas já presentes antes da pandemia.
Fora das casas de repouso, as "recomendações" da Suécia nem sempre surtiram o efeito desejado. Uma pesquisa feita em dezembro pela Agência de Contingências Civis mostrou que nove entre dez suecos disseram que eram bons em seguir as recomendações, mas um terço estava cético quanto à diligência de outros.
O primeiro-ministro Lofven, que fez um raro discurso ao país em novembro depois de ser acusado de ausência na crise, disse que o seu governo foi forçado a intervir e impor recomendações mais rígidas durante a segunda vaga, já que os suecos não estavam a comportar-se tão responsavelmente quanto antes.
No início, foi amplamente divulgado que o objetivo da Suécia era "imunidade de grupo", o que se consegue quando uma parte significativa da população tem o vírus e desenvolve anticorpos, interrompendo assim a transmissão na comunidade.
Mas as autoridades suecas negaram que esse fosse o objetivo. "Não, nunca fez parte da estratégia", disse o epidemiologista chefe Anders Tegnell, à AFP, em setembro. No entanto, "permitir que o vírus se espalhe lentamente leva a altos níveis de imunidade", reconheceu.
"É bom ter uma alta imunidade na população ... Estamos a ver os efeitos disso", disse Tegnell à AFP em junho, quando os casos estavam em declínio no país, depois de ultrapassada a primeira vaga.
No entanto, e-mails entre os principais funcionários da Agência de Saúde Pública sueca obtidos peles media nacionais revelaram que a questão da imunidade de grupo surgiu nas discussões iniciais da agência sobre a estratégia a adotar pela Suécia.