Postado às 05h06 | 11 Jun 2020
Estado
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou pela continuidade do inquérito das fake news. Ele é relator de uma ação movida pela Rede Sustentabilidade, pedindo a suspensão das investigações, que começou a ser julgada nesta quarta-feira, 10, pelo plenário da Corte.
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“Diante do intento de dinamitar instituições, do incitamento ao fechamento do Supremo Tribunal Federal, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros, de apregoada desobediência a decisões judiciais, proponho o julgamento improcedente do pedido”, votou o ministro. Após a manifestação de Fachin, o julgamento foi suspenso e será retomado na próxima semana.
Para o ministro, o inquérito deve continuar tramitando, desde que trate apenas de ameaças e difamação a membros do Supremo e seus familiares, bem como manifestações antidemocráticas. Segundo o ministro, a liberdade de imprensa e postagens em redes sociais não podem ser alvo da investigação, exceto em caso de suspeita de impulsionamento por financiamento ou esquema de divulgação em massa.
A Rede Sustentabilidade se opôs ao inquérito por considerá-lo ofensivo ao preceito constitucional da separação dos Poderes e por entender que o STF estaria extrapolando suas competências ao conduzir uma investigação criminal. O partido, que posteriormente solicitou o arquivamento do próprio pedido, argumentava na petição que o inquérito foi aberto ‘sem fatos específicos e contra pessoas indeterminadas’ e à revelia do Ministério Público, que acabou escanteado das investigações – o que, na visão da sigla, violaria ‘as garantias mais básicas do Estado Democrático de Direito’.
Fachin reconheceu que ‘investigar, acusar, defender e julgar são afazeres e funções distintas’ e que ‘nas democracias há um sistema de Justiça a ser preservado’. Mas, na visão dele, o regimento interno do Supremo permite à Corte determinar e conduzir investigações.
“O artigo 43 do regimento interno é, sem dúvida alguma, regra excepcional que, diante da omissão dos órgãos de controle, confere ao Judiciário função atípica na seara da investigação”, afirmou o ministro.
O artigo referido por ele concede ao Supremo a prerrogativa de determinar a instauração de inquérito em caso de ‘infração da lei penal na sede ou dependência do Tribunal’. Para o ministro, ‘o caráter difuso dos crimes cometidos por meio da internet’ permite estender o que seria o ‘conceito físico’ da sede do STF, uma vez que a Corte exerce sua jurisdição em todo o território nacional.
Apesar disso, Fachin alertou que a regra não pode funcionar como um ‘salvo-conduto genérico, amplo e sem limites’. “Não é nem deve ser usual ao Judiciário e ao Supremo Tribunal Federal valer-se dessa hipótese legal que emerge na inércia ou na omissão dos órgãos de controle”, explicou o ministro, que emendou: “o Supremo Tribunal não pode ir além, mas não pode ser impelido a ficar aquém”.
O voto de Fachin vai de encontro ao pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, que, mais cedo, declarou ser favorável ao inquérito, mas voltou a pedir a participação do Ministério Público Federal nas diligências. Aras solicitou ainda que o STF delimite objeto das investigações para evitar que elas ‘se eternizem’. O inquérito é alvo de críticas por ter sido instaurado sem determinação prévia de tempo ou referência a fatos concretos e possíveis autores.
Para Fachin, a prerrogativa legal que permite ao Supremo determinar a abertura de investigações ‘não autoriza, evidentemente, qualquer forma de ausência de limites, sob pena de comprometer-se a imparcialidade, requisito fundamental na tarefa de julgar’. Contudo, segundo o ministro, nessa fase preambular ainda não é possível identificar os suspeitos dos crimes. O relator destacou ainda que mais de 90% dos autos do inquérito já foram declinados para a primeira instância ‘para as medidas cabíveis’.
Na ação, a Rede Sustentabilidade também também pedia explicações sobre a designação do ministro Alexandre de Moraes para conduzir as investigações – foi no âmbito desse inquérito que o ministro censurou reportagens publicadas na revista digital Crusoé e no site O Antagonista. Normalmente, a escolha da relatoria é definida por sorteio. Nesse caso, foi determinada pelo próprio líder da Corte, o ministro Dias Toffoli. Para Fachin, a determinação do relator pelo presidente do Supremo é igualmente constitucional.
Fachin aproveitou o voto para defender a independência do Poder Judiciário. Nas últimas semanas, os ministros assistem uma crescente de ataques dirigidos por apoiadores bolsonaristas e integrantes do próprio governo ao STF – por conta do próprio inquérito das fake news, que mira aliados do presidente, e pela investigação aberta para apurar se houve tentativa de interferência política indevida de Bolsonaro na Polícia Federal.
“Não há ordem democrática sem respeito às decisões judiciais. Não há direito que possa justificar o descumprimento de uma decisão judicial da última instância do Poder Judiciário. (…) São inadmissíveis no estado de direito democrático, a defesa da ditadura, a defesa do fechamento do Congresso Nacional ou a defesa do fechamento do Supremo Tribunal Federal. Não há liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos. Quem quer que os pratique precisa saber que enfrentará a Justiça constitucional do seu País. Quem quer que os pratique precisa saber que este Supremo Tribunal Federal não os tolerará”, disparou.
Entenda. As investigações sigilosas foram iniciadas em março do ano passado para apurar notícias falsas, ofensas e ameaças dirigidas aos ministros do Supremo e seus familiares. Desde o início, sofreram forte oposição do Ministério Público Federal (MPF), então chefiado por Raquel Dodge, por terem sido iniciadas de ofício (sem provocação de outro órgão). O caso é atípico, porque a Justiça brasileira preserva o princípio acusatório, ou seja, um órgão apresenta a denúncia e outro julga. No inquérito das fake news, contudo, o próprio Supremo, que foi alvo dos ataques e notícias falsas, determinou a abertura das investigações e vai julgar os crimes.
Na ação que começou ser julgada nesta quarta, a Rede Sustentabilidade questiona a constitucionalidade da portaria que determinou a abertura da investigação, de autoria do ministro Dias Toffoli.
Apesar do questionamento sobre a legalidade do inquérito ter partido da Rede Sustentabilidade, há pouco mais de um ano, recentemente o próprio partido desistiu da ação e solicitou o arquivamento do pedido enviado ao Supremo sob alegação de que o ‘inquérito de converteu em um dos principais instrumentos de defesa da democracia’. O partido avalia que as investigações têm revelado ‘uma verdadeira organização criminosa cujo alvo são as instituições democráticas e cujo instrumento são as fake news: distribuídas em massa, financiadas por esquemas ilícitos e coordenadas, aparentemente, por autoridades públicas’. O ministro Edson Fachin, no entanto, defendeu que a Constituição veda a desistência da parte autora do pedido, uma vez que a ação questiona diretamente a constitucicionalidade do inquérito, o que não poderia ser submetido à mudança de opinião.
A nova posição da sigla de oposição ao governo veio após o inquérito fechar o cerco contra apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o chamado ‘gabinete do ódio’. Nas últimas semanas, deputados, blogueiros, ativistas e outros bolsonaristas tiveram documentos, celulares e computadores apreendidos pela Polícia Federal, além dos sigilos bancário e fiscal quebrados, e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, e a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) foram chamados a depor.
Não foi apenas o partido que mudou de opinião após os rumos tomados pela investigação. O procurador geral da República, Augusto Aras, quando assumiu a chefia do MPF, em setembro, disse que Toffoli, ao determinar a abertura da apuração, ‘exerceu regularmente as atribuições que lhe foram concedidas’ pelo Regimento Interno do STF. No mês passado, no entanto, o PGR pediu a suspensão temporária do inquérito até que o Supremo Tribunal Federal julgasse a ação da Rede Sustentabilidade e estabelecesse os ‘contornos e limites’ da investigação. Aras disse que a ofensiva da Polícia Federal contra apoiadores bolsonaristas, ‘sem a participação, supervisão ou anuência prévia’ da PGR, ‘reforça a necessidade de se conferir segurança jurídica’ às investigações.
Efeito colateral. Ontem, em manifestação favorável ao compartilhamento de provas colhidas no inquérito das fake news com o Tribunal Superior Eleitoral, que vai julgar ações pela cassação da chapa presidencial de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, a Procuradoria-Geral Eleitoral afirmou que as investigações que miram a disseminação de notícias falsas ‘poderão vir a demonstrar a origem do financiamento das práticas abusivas e ilegais imputadas à campanha’ bolsonarista em 2018.
Os processos tratam do disparo de mensagens em massa, via WhatsApp, no pleito de 2018 e foram abertos a pedido da coligação petista, derrotada no segundo turno. De início, as ações movidas pelo PT, que acusam a chapa bolsonarista de abuso de poder econômico e uso indevido de veículos e meios de comunicação na campanha, foram desconsideradas pela Procuradoria em razão da ‘deficiência probatória’. Como apontou o Estadão em reportagem publicada no final de maio, a avaliação entre ministros do tribunal eleitoral é que agora, com o compartilhamento de informações do inquérito das fake news, os processos eleitorais devem ganhar fôlego. Nesse caso, podem pavimentar a destituição do presidente e de seu vice.