Postado às 06h49 | 01 Mar 2021
A semana começa sob a expectativa de avanço na PEC Emergencial, que abrirá caminho para a retomada do auxílio emergencial. O relator da proposta no Senado, Marcio Bittar (MDB-AC), apresentará, amanhã (2/3), uma nova versão do parecer. Ele vai retirar do texto o item que acabava com os pisos constitucionais para gastos com saúde e educação, rejeitado por partidos, inclusive, da base do governo e por entidades dos setores. A contragosto, o parlamentar teve de ceder à pressão e fazer a mudança, com o objetivo de acelerar a votação da matéria.
Mesmo com a retirada do trecho sobre desvinculação de saúde e educação, o governo deve enfrentar problemas para garantir que a volta do auxílio seja aprovada no Congresso com as medidas de ajuste fiscal. Partidos pressionam para que o benefício seja discutido separadamente das contrapartidas. Pelo menos duas PECs foram apresentadas nesse sentido, pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e José Serra (PSDB-SP).
Líder do bloco parlamentar Podemos/PSDB/PSL, senador Lasier Martins (Podemos-RS) disse que é importante fatiar a PEC para votar, primeiro, o auxílio. Porém, com o agravamento da pandemia, há o receio de que o governo se aproveite da ausência de parte dos senadores para passar o texto com menos resistência. O parlamentar está em Porto Alegre. A capital gaúcha enfrenta bandeira preta, com 100% dos leitos de UTI ocupados. “O nosso partido defende a separação. Que se vote o auxílio emergencial, e todos os itens sejam levados a uma discussão posterior”, afirmou.
Para Lasier, será difícil levar a proposta a voto nesta semana. “Na quinta, nós derrubamos a sessão para impedir a leitura do relatório. Ficou para terça (amanhã). Tem muito senador que não vai a Brasília na terça por conta do agravamento da covid-19. Isso é ruim”, afirmou. “A votação é presencial. Se o governo levar mais gente, pode tentar avançar com a matéria. Nós propomos o fatiamento. Deixa o resto, que é complexo, para discutir adiante, que a PEC é muito minuciosa. Eu acho que vai ter interferência do problema da covid. Estou em Porto Alegre. Cancelei minha ida a Brasília. Todos os hospitais estão lotados, e no DF está parecido”, avaliou.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN), líder da minoria, destacou que a prioridade é a aprovação do auxílio e no valor inicial de R$ 600. “Não há possibilidade de negociação quanto a qualquer ponto do pacote de chantagens de Paulo Guedes”, disparou, numa referência ao ministro da Economia, que fala em parcelas de até R$ 250 para o benefício.
Já o líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO) acredita que a PEC tem chances de passar esta semana. Ele admitiu que haverá muita discussão em torno do tema e argumentou que o debate, na verdade, gira em torno da “saída da crise”. “O nome diz tudo: emergencial. Tem prioridade de tramitação. Notamos que vai ter muita discussão, mas a gente espera que o país aprove”, frisou. “Para a retomada, precisamos das reformas. O auxílio pode vir junto. Temos de olhar tudo como ‘crise’ e ‘saída da crise’, mas há clima”, enfatizou.
A PEC Emergencial cria mecanismos de ajuste fiscal para União, estados e municípios. O relator incluiu no texto um protocolo de responsabilidade fiscal e uma “cláusula de calamidade” para que o governo possa pagar o auxílio emergencial sem ultrapassar o teto de gastos. A desvinculação de receitas da saúde e da educação foi uma das contrapartidas propostas no parecer, mas que provocou uma enxurrada de críticas.
O relatório de Bittar prevê o acionamento automático de gatilhos para congelar gastos, como salários e subsídios, quando a despesa obrigatória superar 95% do total. O governo insiste em pagar o auxílio emergencial somente com a garantia de que poderá controlar as despesas com o serviço público.
O valor do auxílio emergencial ainda não está definido, mas o presidente Jair Bolsonaro fala em quatro parcelas de R$ 250, pagas a partir deste mês — desde que seja aprovada a PEC Emergencial —, mas há mobilizações no Congresso para que a quantia seja maior.
O retorno do benefício, além de auxiliar milhões de vulneráveis em meio aos efeitos da pandemia da covid-19, deve elevar a popularidade de Bolsonaro, que está em queda, conforme pesquisas recentes. Na visão de especialistas, porém, a medida é um remédio temporário, que dependerá ainda de boas doses de recuperação econômica e das ações diante do recrudescimento da pandemia.
A diminuição nos índices de popularidade do governo coincidiu com o fim do auxílio emergencial, em dezembro. A pesquisa divulgada, no começo da semana passada, pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), em parceria com o Instituto MDA, apontou que a avaliação negativa do governo é de 35,5%. Em comparação com a positiva, a queda é de mais de 2,5 pontos percentuais, com 32,9%. Os dados mostram, ainda, que a desaprovação do chefe do Executivo é de 51,4% contra 43,5% de aprovação. Ainda segundo os dados, os que consideram o governo ótimo ou bom caíram de 41,2% para 32,9%.
Na opinião do analista político Creomar de Souza, da Consultoria Dharma, mesmo com menor valor, as novas parcelas impactarão de forma positiva e podem reverter a tendência de baixa da popularidade do presidente. No entanto, não será o suficiente. “É uma espécie de freio num decrescimento, mas vai depender de outras questões, como a capacidade do governo de criar saídas adicionais ao drama da pandemia, em específico, a aceleração da vacinação e a melhora econômica. A condição continua difícil porque a retomada da economia ainda está longe”, salientou.
O cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, afirmou que, conforme a lógica anterior, o auxílio deve interferir na popularidade de Bolsonaro. “A avaliação se deteriorou nas últimas duas rodadas, e o pagamento pode amenizar. A questão é que a retirada do auxílio teve impacto na avaliação, mas os resultados catastróficos da condução por parte do governo em relação à saúde, também”, completa.
Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, ressaltou que a concessão do auxílio é uma espécie de termômetro na popularidade do chefe do Planalto. “O índice vai subir, não há dúvida. O governo vê no auxílio uma saída temporária. Do ponto de vista social, é importante e, sob o ponto político, para quem visa a reeleição, também”, frisou. “O problema é a questão econômica, pois, numa situação fiscal difícil, o auxílio significa maior endividamento, não há como fugir disso. Vai ser pago às custas de endividamento.”
Ao fim de 2020, quase 90% do PIB estava comprometido com a dívida pública, e, pelo desenho, observa-se que 2021 poderá chegar aos 95%, afirmou Gil Castello Branco. “O governo ainda não aprovou o Orçamento de 2021. Não há sinalização exata do que pretende ou não fazer ou como vai fazer. O presidente continua falando em ampliar o Bolsa Família, tem que dizer de onde vai tirar”, disse. “Essas indefinições geram turbulências no mercado e, se os agentes econômicos não vislumbram perspectivas de responsabilidade fiscal, as consequências são fáceis de adivinhar.”
Ele citou a fuga de investidores internacionais, rebaixamento do Brasil pelas agências de risco, insegurança dos investidores nacionais, aumento da taxa de juros, inflação e desemprego como alguns dos principais impactos. “O governo vai ter de se equilibrar na linha entre responsabilidade fiscal ou populismo fiscal. Não há convicção de que o apoio do Centrão significará fidelidade”, afirmou. “O governo imaginou que ia encaminhar proposta de auxílio embutida na PEC e que a aprovação viria reunida e haveria as contrapartidas. Começa a ficar desenhado que não vai ter contrapartida e agrava a dúvida do mercado sobre o respeito às medidas de austeridade.”
Com o agravamento da pandemia, a expectativa do ministro Paulo Guedes de que a economia iria se recuperar em “V” não se concretizará, argumentou o especialista. “Pelo contrário, tivemos um ‘L’, com breve estabilização e nova queda. A atividade econômica cairá com o lockdown (adotado no DF e em vários estados). Vamos recomeçar tudo o que aconteceu no ano passado, com um contorno até mais grave. Teremos retração”, emendou Castello Branco. (IS)