Postado às 07h34 | 30 Abr 2023
José Múcio (dir.) aceitou o convite de Lula da Silva (centro) para assumir a pasta da Defesa. © RICARDO STUCKERT - PR
Diário de Notícias, hoje - Portugal
Com uma longa experiência política, José Múcio assumiu a pasta da Defesa anunciando que vem para o diálogo numa sociedade brasileira em que este tem rareado. Esteve em Portugal na comitiva do presidente Lula da Silva e prolongou a sua estadia para participar no encontro "Mafra Dialogues". O DN falou com ele sobre as prioridades do seu ministério.
Quis o acaso que a lua-de-mel em Lisboa o tornasse testemunha da revolução dos cravos.
A 25 de abril de 1974, José Múcio tinha 25 anos e, pela vida fora, nunca deixou de pensar que esse mesmo acaso lhe oferecera, afinal, uma espécie de taluda do destino.
Em dezembro aceitou o convite para se tornar ministro da Defesa do terceiro governo do presidente Lula da Silva, voltando a uma vida política que julgara encerrada.
Recorde-se que, em 2007, depois de exercer vários cargos locais e nacionais, assumira a pasta das Relações Institucionais e, em 2009, foi indicado para integrar o Tribunal de Contas.
Em 11 de dezembro de 2018, foi empossado na presidência desta instituição, que deixou em dezembro de 2020, quando se aposentou.
Na cerimónia de despedida, sublinhou o valor que sempre atribuiu ao diálogo: "Busquei, incessantemente, ao longo desses anos e durante toda a minha vida, construir pontes, pois considero que as melhores soluções são resultantes da soma dos diversos pontos de vista".
José Múcio esteve em Portugal integrado na comitiva de Lula da Silva, mas acabou por ficar mais tempo para participar no Mafra Dialogues - Diálogo Inter-religioso e Paz Global, promovido pelo Instituto para a Promoção da América Latina e Caraíbas, que reuniu no Convento de Mafra vários diplomatas, especialistas em Relações Internacionais e líderes religiosos vocacionados para o diálogo.
Veio a Portugal com o presidente Lula da Silva mas prolongou a sua estadia para participar neste Encontro. Quais as suas expectativas?
Estou muito feliz com esta reunião em Mafra, que é um cenário encantador. Mas não podemos perder de vista que estamos a viver um momento histórico muito complexo. Não estamos mais na conjuntura de bipolarização a que de certo modo nos habituámos ao longo das nossas vidas, mas sim num panorama em que há uma multiplicidade de interesses muito grande. O mundo está todo a investir em armamento, a tal ponto que, no ano passado, houve um investimento global de dois biliões de dólares em armamento. Não sabemos mais se nos estamos a preparar para a guerra ou para a paz. No Brasil temos de ser realistas e perceber que este investimento representa algo de que muito necessitamos, que é a criação de emprego. Neste momento, temos 10 milhões de desempregados, temos 30 milhões de pessoas que não conseguem fazer três refeições por dia. Perante isto destinamos cerca de 1,2% do orçamento de Estado ao armamento mas nós incentivamos muito a indústria da defesa brasileira também por questões sociais. Neste momento, a Defesa representa 4,7% do PIB e gera cerca de 3 milhões de empregos, número que podemos aumentar bem mais.
Este investimento na Defesa também tem em vista as missões de paz em que o Brasil está empenhado?
Temos muitos oficiais nossos em várias missões de paz no mundo e no nosso próprio território. A defesa da Amazónia é um dos nossos grandes desafios porque temos ali 17 mil kms de fronteiras. O nosso desígnio de preservar a floresta não pode perder de vista que ela serve de esconderijo quase inexpugnável ao narcotráfico e a todo tipo de bandidos. Precisamos, por isso, dos contributos do exército, da marinha e da aeronáutica. Investimos muito num sistema de radar moderníssimo - o SIPAM. Também vamos reunir com os presidentes e ministros dos outros países da América do Sul (sobretudo com aqueles que fazem fronteiras connosco na região da Amazónia) para coordenar esforços e estabelecer parcerias.
Imagino que não seja um diálogo fácil...
Não é. Cada um tem as suas verdades, cada um tem as suas dificuldades, por outro lado, não estamos a falar de um continente politicamente muito estável. Sabe, a América do Sul nunca é um Portugal. Temos alguns conflitos políticos mas temos de lidar com essas particularidades e tentar fazer o melhor possível.
O senhor é o primeiro ministro da Defesa civil em cinco anos. Como é lidar com a herança de Bolsonaro nas forças armadas?
Acredito que foi para ajudar à inversão dessa situação que o presidente Lula me chamou para esta pasta. Eu já estava fora da política, aposentei-me em 2020, mas ele fez-me um repto que eu não poderia recusar. Penso que não há maior arma do que o entendimento. Acredito que temos de ouvir o desaforo, ouvir as queixas e procurar consensos. Muitas vezes priorizamos os conflitos e a minha experiência diz-me que essa nunca é a solução.
Como viveu este 25 de Abril em Lisboa, com o presidente Lula?
É uma data que me é muito cara e sabe porquê? No dia 25 de Abril de 1974, eu estava em Lisboa. Estava em lua-de-mel do meu primeiro casamento e foi um momento riquíssimo, até porque no Brasil ainda estávamos sob a ditadura militar. Lembro-me que prolonguei a minha estadia aqui mais uns dias para assistir ao desenrolar dos acontecimentos. Foi de tal maneira inesquecível que, sempre que possível, volto a Lisboa em abril.