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Estatais com aval de Bolsonaro para privatização são só 17% do patrimônio total

Postado às 06h49 | 17 Ago 2020

Globo

Indicado para suceder Salim Mattar na tarefa de tocar o projeto de privatizações, o novo secretário de Desestatização, Diogo Mac Cord, só poderá avançar sobre uma pequena parte do universo de quase 200 companhias públicas, entre as diretamente controladas pela União e as subsidiárias. Segundo dados de 2019, as estatais somam R$ 711,4 bilhões em patrimônio líquido. Mas, desse montante, 83% correspondem às empresas blindadas pelo presidente Jair Bolsonaro: Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, além do BNDES. Os demais negócios do governo federal, inclusive a Eletrobras, contabilizam R$ 118,2 bilhões — ou 17% do total. Para especialistas, está claro que o processo de redução desse portfólio tende a ser demorado e depende de articulação política.

Os dados são do mais recente Boletim das Estatais, do Ministério da Economia. O patrimônio líquido das estatais não reflete necessariamente o valor pelos quais seriam vendidas. Isso depende de fatores de mercado. No entanto, dá uma dimensão do que de fato poderia sair das mãos do Estado.

Nas contas de Mattar, o número de ativos é bem maior que as 46 empresas de controle direto da União e as 148 subsidiárias — que somam 194 estatais. O ex-secretário calculou ainda 210 coligadas (empresas nas quais companhias controladas pela União ou subsidiárias têm participação significativa) e outras 210 participações do governo federal em companhias, o que eleva o total de bens a serem desestatizados para 614. Com base nesse critério, ele deixou o cargo com uma marca de 84 vendas, mas não privatizou nenhuma empresa-mãe, uma estatal clássica. Em novembro, ainda viu o governo Bolsonaro criar mais uma: a NAV Brasil, responsável pelo controle do espaço aéreo.

Empresas empregam 476 mil

A estratégia do ex-secretário se concentrou na venda de subsidiárias de estatais ou de participações detidas por elas em outros negócios. Só a venda de subsidiárias da Petrobras, como BR Distribuidora e TAG, e ações detidas pelo BNDES resultaram em R$ 88,7 bilhões, aproximadamente 65% do total de R$ 134,9 bilhões arrecadado. A ação do BNDES, segundo fontes, foi um pedido específico do ministro da Economia, Paulo Guedes, para turbinar os trabalhos da pasta na desestatização, diante da dificuldade em outras frentes.

O patrimônio de R$ 118,2 bilhões que estaria livre para venda é um número que pode variar. O balanço do Ministério da Economia não detalha quanto dos valores concentrados nas empresas cuja privatização foi vetada por Bolsonaro é referente às subsidiárias dessas companhias.

Esses negócios sob o guarda-chuva de grandes estatais estão no plano de desestatização da equipe econômica e podem ser entregues ao setor privado sem aval do Congresso, graças a uma decisão do ano passado do Supremo Tribunal Federal (STF). Já a venda de uma empresa-mãe, como a Eletrobras, precisa passar pelo Legislativo.

Egresso do setor privado e um crítico da excessiva presença do Estado na economia, Mattar saiu com duras críticas à burocracia do setor público. Para ele, o ambicioso projeto de Guedes não avançou por falta de vontade política.

O tamanho do universo de empresas estatais dá a dimensão das pressões. Hoje, essas empresas empregam mais de 476 mil funcionários, o que reforça a corrida de políticos por indicações e a resistência de corporações contra perda de prerrogativas.

O conjunto de companhias públicas inclui casos que se transformaram em anedotas nos debates sobre a redução do papel do Estado. É o caso da EPL — que nasceu para projetar o trem-bala brasileiro, projeto que jamais saiu do papel. Hoje, a empresa ainda tem 132 funcionários e depende de recursos da União para se manter no papel. No ano passado, os repasses foram de R$ 98 milhões.

Companhias dependentes

A Ceitec, ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, também virou folclore ao ser apelidada de empresa do “chip do boi”. A fabricante de semicondutores, que ainda preserva 183 funcionários, está em processo de ser dissolvida, segundo o relatório mais recente do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI).

Ambas as companhias fazem parte de um capítulo à parte na discussão sobre estatais no país: as empresas dependentes. Só no ano passado, o governo precisou desembolsar R$ 20 bilhões para mantê-las de pé. O grupo inclui desde casos emblemáticos de distorções do papel do Estado a organizações em pleno funcionamento, como a Embrapa.

Na avaliação do analista da Instituição Fiscal Independente (IFI) Josué Pellegrini, que acompanha o panorama das estatais, o debate sobre as empresas dependentes passa pela definição de que políticas públicas fazem sentido no país, já que, na prática, essas instituições atuam como órgãos do governo.

— A gente tem muito pouca avaliação de políticas públicas no Brasil. E isso vale para tudo, os benefícios tributários, os subsídios, política educacional e, como não poderia deixar de ser, essas empresas criadas para um determinado objetivo também não são avaliadas — afirma o especialista.

O governo planeja avançar no processo de privatizações, mas sabe que o processo será lento. Hoje, 15 empresas estão na lista de estudos para privatização, incluindo Correios e Eletrobras, que depende da negociação com o Congresso e deve ser vendida até o terceiro trimestre de 2021, segundo informou recentemente o presidente da companhia, Wilson Ferreira Júnior.

No mercado, há expectativa de que o processo acelere, mas os riscos estão calculados.

— Quem achar que não vai ter discussão jurídica sobre qualquer ativo, em qualquer época, quando ele tem uma exposição midiática, está sonhando — comenta Alberto Sogayar, sócio da área de infraestrutura do L.O. Baptista Advogados.

 

 

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