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Estado: "Emergência não é descontrole"

Postado às 04h16 | 26 Ago 2020

Eduardo Neubarth Trindade - médico

Situações adversas como a que estamos vivendo exigem medidas extremas e não há registro na nossa História recente de situação mais desesperadora do que a atual pandemia do novo coronavírus. No entanto, precisamos manter a racionalidade diante desse quadro, sem lançar mão de medidas descontroladas.

A pandemia de covid-19 abriu uma janela para o avanço da humanidade em termos de tecnologia, ciência, informação e ética. Mas também abriu uma fresta para teorias mirabolantes, crenças absurdas e ideias estapafúrdias – que, com alguns contorcionismos retóricos, conseguem convencer até o indivíduo mais racional.

No momento, três frentes de desinformação preocupam as entidades médicas por causa do seu impacto amplificado sobre a sociedade neste cenário de crise. São elas: 1) a antecipação da formatura de médicos, aliada à autorização para o trabalho de profissionais sem revalidação, 2) a disseminação de fake news e 3) a flexibilização do controle orçamentário.

Somos contrários à antecipação de formaturas de novos médicos. Pode parecer cruel dizer que não precisamos de mais profissionais num momento de pandemia, mas é justamente a ética que nos guia nessa direção. Entendemos a ânsia desses jovens de ajudar – afinal, é para isso que os profissionais médicos são treinados. No entanto, isso não pode ser feito à custa de uma etapa fundamental na formação médica nem ao sabor das emoções, que são fortes e compreensíveis, todavia embotam o melhor julgamento técnico.

Os acadêmicos do quinto e do sexto anos de Medicina já estão na linha de frente, já estão fazendo a sua parte e atendendo pacientes nos hospitais, nos postos de saúde e em outras instituições. Com a diferença de que prestam atendimento sob a supervisão de professores, médicos mais experientes que orientam, corrigem e qualificam a conduta dos estudantes. Antecipar formaturas para jogá-los no olho do furacão sem passar por essa etapa não apenas compromete a formação pelo resto da carreira deles, mas também é uma grande covardia. Não queremos médicos – jovens cidadãos – que fiquem traumatizados por eventuais equívocos que possam cometer em razão de uma formação precária, pondo seus pacientes em risco, e também a si próprios.

Permitir que médicos formados fora do Brasil atuem sem fazer o Revalida é arriscado. Isso, sem dúvida, abriria um precedente para usar qualquer situação grave – ou não – para repetir essa medida. O Revalida garante que o médico tenha conhecimento mínimo adequado para atuar no nosso país.

O que precisamos, agora, é de médicos especialistas em Medicina Intensiva. Esses profissionais passam por uma formação longa e complexa, que não se consegue da noite para o dia em precárias faculdades sul-americanas, sem hospitais-escola, como se vê em países que fazem fronteira com o Brasil. O Revalida não é mera burocracia, mas uma garantia de cuidado com a saúde da população.

A praga das fake news, que assola as redes sociais, é outro motivo de apreensão. Muitas pessoas, apesar de algumas com boas intenções, acabam por disseminar informações sem nenhum fundamento científico, que podem pôr em risco a saúde dos cidadãos, em perfeitos flagrantes de exercício ilegal da medicina. Outras, ainda, utilizam informações equivocadas como palanque, numa estratégia de autopromoção. Divulgam ideias que funcionam somente na teoria (e aqui ainda cabe um talvez) como a panaceia que resolverá tanto a crise da saúde quanto a da economia, sem jamais atentarem para a real eficiência ou efetividade dessas medidas.

Além desses, outro ponto de preocupação é a flexibilização do controle orçamentário. O estado de calamidade exige, de fato, que se diminua a rigidez das despesas públicas para facilitar o uso dos recursos onde são mais necessários. No entanto, sem um fundo específico para isso a medida pode levar as finanças dos Estados – especialmente dos que já estão seus orçamentos já comprometidos – ao completo caos. Eis aí uma brecha enorme e tentadora para a corrupção, que, fatalmente, causará forte impacto nos já escassos e malversados recursos destinados à saúde pública e que serão importantes na retomada da economia.

Em vez dessas ideias equivocadas, chegou a hora de investir recursos financeiros e intelectuais no desenvolvimento da ciência e de melhorar o financiamento e a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como da saúde suplementar. Se no passado tivéssemos feito esses investimentos com seriedade e responsabilidade, seria menos penoso amenizar o sofrimento de pacientes, de médicos e de toda a sociedade – que sofre e sofrerá os reflexos atuais e futuros da pandemia de covid-19.

Deveríamos ser impactados pelo desconhecimento da doença, não pela falta de capacidade de gerenciamento de situações de crise. A emergência não se pode tornar o caos.

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