Postado às 04h50 | 16 Jun 2021
Editorial do Estado
O presidente Jair Bolsonaro ainda não tem partido político. Nem precisa: usa o Estado como sua máquina partidária e os recursos públicos como verba de campanha.
Sempre que resolve passear e fazer comício, o que tem acontecido com muita frequência, o presidente obriga o Estado a se desdobrar, a um custo em geral milionário, para lhe garantir segurança e bem-estar.
Todo chefe de governo, quando se desloca, requer esse tratamento, e é justo que seja assim: afinal, o presidente é o principal líder político e administrativo do País. Mas supõe-se que essa estrutura exista basicamente para dar conforto e proteção ao presidente sobretudo quando está a trabalho, como esperam os contribuintes de cujos impostos sai o dinheiro para bancá-la.
Vá lá que o chefe de governo também tenha direito a algum descanso, razão pela qual o Estado também deve lhe providenciar escolta e tranquilidade em seus momentos de relaxamento, pois o presidente não deixa de sê-lo só porque eventualmente está de folga.
O problema é que os momentos de refrigério do presidente se multiplicaram a tal ponto que hoje se tornou difícil dizer quando Bolsonaro está de férias e quando está trabalhando. Em meio à pandemia de covid-19, que tem obrigado os brasileiros em geral aos mais duros sacrifícios, o presidente, entusiasta do dolce far niente, achou que era o caso de mobilizar o aparato oficial, a um custo estimado em R$ 2,4 milhões, para se divertir em praias de São Paulo e em Santa Catarina entre os dias 19 de dezembro e 4 de janeiro.
Chamado pela Câmara para explicar a extravagância, o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, disse que o alto custo da viagem se deveu à estrutura necessária para atendimento dos protocolos sanitários em razão da pandemia – embora Bolsonaro tenha aparecido na praia sem máscara e provocando aglomerações. Ademais, disse o ministro Rosário, Bolsonaro estava ali a trabalho, pois “presidente da República não tem direito a férias”.
Pode parecer estranho que o ministro tenha chamado de “trabalho” uma viagem do presidente à praia, mas, do ponto de vista bolsonarista, o principal “trabalho” do presidente é fazer campanha por sua reeleição – e nesse labor Bolsonaro não descansa jamais, a ponto de transformar seus frequentes passeios em oportunidades para fazer comícios. Tudo bancado com dinheiro que deveria ser usado para financiar os gastos do presidente, e não as despesas da campanha do postulante à reeleição.
No fim de semana passado, Bolsonaro veio a São Paulo especialmente para participar de um passeio de motos. A presença do presidente obrigou o governo paulista a providenciar um enorme aparato de segurança, a um custo de R$ 1,2 milhão.
O Brasil é um dos poucos países do mundo que dispõem de uma Justiça Eleitoral, e são essas ocasiões que deveriam servir para justificar sua existência. Afinal, está claro que o presidente Bolsonaro está em plena campanha antecipada, proibida pela legislação eleitoral, fazendo de seus caríssimos “passeios” meros pretextos para reiterar promessas eleitorais e atacar adversários.
Muitas vezes é difícil distinguir o que é um ato de governo e o que é um evento eleitoral. No caso de Bolsonaro, contudo, está cada vez mais fácil: tudo se presta a lhe servir de palanque. Por isso, fez bem o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União ao encaminhar ofício ao Tribunal Superior Eleitoral questionando o caráter dos eventos protagonizados por Bolsonaro, pois são óbvios atos de propaganda eleitoral ilegal. Conforme lembra o ofício, noticiado pelo Valor, cabe ao TSE, “garantir a lisura e a paridade dos candidatos nas disputas eleitorais”. É o mínimo que se espera numa República decente.
Mas, como já ensinava o então presidente Lula da Silva, mestre da desfaçatez, quando fazia campanha antecipada à reeleição em 2006, “um homem público não precisa de época de eleição para fazer campanha, ele faz campanha da hora em que acorda à hora em que dorme: 365 dias por ano”. Bolsonaro é um aplicado aprendiz de Lula.