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“Equipe econômica cometeu suicídio político”, avalia Marcelo Neri, da FGV

Postado às 04h43 | 16 Set 2020

A equipe econômica cometeu suicídio político ao tentar buscar, de forma atabalhoada, medidas para abraçar o Renda Brasil, programa que deveria substituir o Bolsa Família, no Orçamento de 2021, na avaliação do economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social).

A proposta que vazou pelos técnicos liderados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, previa congelamento de aposentadorias e do salário mínimo, o que provocou ira do presidente Jair Bolsonaro na manhã desta terça-feira (15/09) ao ler as manchetes nos jornais. “O presidente teve um sentimento político apurado ao criticar a proposta, mas, tecnicamente, a equipe cometeu um suicídio politico. No imaginário da sociedade, a grande política social do país no combate à pobreza é o salário mínimo”, disse Neri, em entrevista ao Blog.

Para ele, se o governo tivesse capacidade de fazer uma ampla discussão prévia do assunto com a sociedade e o Parlamento sobre os impactos de cada programa e detalhasse melhor o Renda Brasil e fizesse comparações mais plausíveis, talvez a proposta fosse digerida com mais facilidade, no entender de Neri. Bolsonaro já havia descartado a sugestão anterior de Paulo Guedes, que previa o fim do abono salarial para que os recursos do programa fossem para o Renda Brasil. Mas Bolsonaro já disse que não vai tirar dos pobres para dar aos “paupérrimos”.

Na manhã de hoje, o presidente criticou o vazamento da proposta da equipe econômica e afirmou que foi “surpreendido” com as notícias e acabou com o programa antes mesmo de fazer um lançamento, que estava previsto para 25 de agosto, mas foi adiado. “Até 2022, no meu governo, está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final”, disse Bolsonaro, em vídeo postado em seu perfil nas redes sociais. Ele ainda deu um cartão vermelho para o autor da ideia. “Quem, porventura, vier propor para mim uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho. É gente que não tem o mínimo de coração, o mínimo de entendimento de como vivem os aposentados do Brasil”, declarou.

De acordo com Neri, no entanto, o Renda Brasil se for bem elaborado, pode ser um bom programa no combate à desigualdade uma vez que ele tomará lugar do Bolsa Família, que é o melhor programa de distribuição de renda do governo. Criado em 2009, o Bolsa Família é um programa barato do ponto de vista fiscal, pois custa pouco mais de R$ 30 bilhões por ano e, portanto, uma ampliação dele seria positiva para a economia e para o combate à desigualdade. Ele lembrou que o Benefício de Prestação Continuada (BPC) não tem o mesmo impacto desse programa e o BPC ainda tem uma questão judicial que pode aumentar ainda mais o custo.

Bolsa Família

O auxílio do BPC equivale a um salário mínimo (R$ 1.045), é pago aos idosos acima de 65 anos e aos portadores de deficiência que possuem renda familiar per capita de até 1/4 do piso (R$ 261,25). Neste ano, o custo previsto para o BPC é de R$ 61,6 bilhões, e, pela proposta orçamentária do Executivo enviada ao Congresso, a previsão de gasto com essa rubrica é de R$ 66,1 bilhões. Já o Bolsa Família deverá custar R$ 34,8 bilhões no ano que vem.

“O Bolsa Família é o programa mais eficaz do governo no combate à pobreza, mas ele atinge crianças que não votam”, explicou Neri. Segundo ele, cada real gasto no Bolsa Família tem um impacto de 673% maior na pobreza do que o BPC, porque é focalizado no mais pobres e nas crianças e na educação. “Esse dado faz a economia girar 50% a mais no Bolsa Família do que com o BPC, que é mais focado nos idosos”, comparou. Os dados comparativos utilizaram uma renda média para o Bolsa Família de R$ 250 por mês.

“Segundo nossas estimativas, seria melhor injetar recursos via Bolsa Família se o objetivo é combater a pobreza. Como consequência, o programa é a solução fiscalmente mais eficiente de combate a pobreza. Mas no imaginário popular o salário mínimo é a grande políticas de combate à pobreza. Transferências de renda vinculadas ao mínimo o numerário da política social brasileira (fora são piores que o Bolsa Família, a começar pelo BPC a melhor dessas políticas vinculadas ao mínimo”, destacou o professor da FGV.

Neri lembrou que, recentemente, o Congresso derrubou o veto do presidente Bolsonaro e aumentou o teto de renda para acesso ao BPC, e, portanto, a comparação desse programa ao Bolsa Família é relevante, “dentro da perspectiva do custo de oportunidade social, onde comparamos cada programa vinculado e não vinculado ao salário mínimo”. Com a mudança das regras de acesso propostas pelo Congresso e que foram vetadas por Bolsonaro, esse piso passaria para meio salário mínimo (R$ 522,5), o que, pelas estimativas de técnicos da equipe econômica, implicaria em um custo adicional de R$ 20 bilhões por ano nas despesas da União. Vale lembrar que, para criar o Renda Brasil, não há espaço no Orçamento de 2021 sem que as despesas extrapolem o limite imposto pela regra do teto de gastos.

“A comparação entre esses programas se torna ainda mais relevante quando levamos em consideração que ambos são programas de transferência de renda focados em reduzir a pobreza”, emendou Neri.

A previsão para o salário mínimo no Orçamento de 2021 é de R$ 1.067, mas esse valor precisará ser corrigido para R$ 1.070 diante da alta dos preços dos alimentos e do aumento de 2,09% para 2,35% na previsão para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Cada real a mais no mínimo implica em uma média de R$ 350 milhões de gasto adicional nas despesas anuais da Previdência Social, pelos cálculos de técnicos do governo. Logo, apenas esse incremento de R$ 3 a mais na previsão implicaria em R$ 1 bilhão de gastos com aposentadorias e pensões além do do que já estava previsto na proposta orçamentária que não tem margem alguma para novas despesas sem estourar o teto. (Correio Braziliense)

 

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