Postado às 05h43 | 03 Fev 2021
Arthur Lira comemora presidência da Câmara em festa com centenas de pessoas Foto: Dida Sampaio / Estadão
Estado
A “festa da vitória” do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que reuniu cerca de 300 pessoas em plena pandemia do novo coronavírus, ocorreu em uma luxuosa casa do empresário catarinense Marcelo Perboni. Produtor e comerciante de frutas, ele é acusado pelo Ministério Público de se apropriar indevidamente de R$ 3,8 milhões.
Perboni foi denunciado pelo MP por fraudar a fiscalização tributária ao omitir receitas relativas a saídas de mercadorias. Segundo a assessoria de Lira, o presidente da Câmara “não foi responsável pela organização do evento”.
“Marcelo Perboni, na condição de beneficiário dos lucros da atividade empresarial, apropriou-se de créditos de ICMS vedados pelo ordenamento jurídico, inserindo-os indevidamente em documentos e livros fiscais”, apontou o Ministério Público.
Réu em ação penal, Perboni recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) para trancar o caso, mas a liminar foi negada. O advogado Marcelo Bessa, que defende o comerciante, disse ao Estadão que o crédito tributário já foi pago. “Estamos discutindo o débito, mas os valores já estão integralmente depositados, com juros e correção”. A ação, segundo Bessa, aguarda um desfecho na Justiça.
Amiga de Daniela Perboni, mulher do empresário, a deputada Celina Leão (Progressistas-DF) disse que pediu a casa para abrigar a festa por ser um espaço amplo e arejado. A propriedade numa “ponta de picolé” é o estilo de casa mais valorizada na capital federal por ter acesso ao Lago Paranoá.
Marcelo e Daniela Perboni foram anunciados como anfitriões pelos cantores da festa. Estão acostumados a celebrar em casa e promover festejos e recepções frequentadas por políticos, como o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).
‘Cabra da peste’
Cerca de 300 pessoas estiveram no local e poucos convidados usavam máscaras, o que incluía ministros do governo de Jair Bolsonaro, fiador da eleição de Lira – que também estava sem a proteção.
Articulador político do Palácio do Planalto, o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, foi um dos presentes à festa. O “02” de Ramos na Segov, secretário executivo Jônathas Assunção, acompanhou o chefe. Como revelou o Estadão, o gabinete do ministro se tornou um QG da campanha de Lira na reta final, onde cargos e emendas eram negociados. Ramos tratou Lira como “cabra da peste” e deu tapinhas no ombro para reverenciá-lo pela vitória. O ministro Fabio Faria (Comunicações) e os secretários Fabio Wajngarten (Comunicações) e Jorge Seif (Pesca) completavam o time do governo na festa. O ex-ministro do Turismo, deputado Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), curtia animado.
Deputados e políticos aliados, como Roberto Jefferson, condenado no mensalão e presidente do PTB, eram maioria. O grupo mais íntimo de Lira estava em peso: Ciro Nogueira (PP-PI), Ricardo Barros (PP-PR), André Fufuca (PP-MA), Hugo Motta (Republicanos-PB), João Carlos Bacelar (PL-BA), Marcelo Ramos (PL-AM), Guilherme Mussi (PP-SP), Ricardo Izar (PP-SP), Marcelo Aro (PP-MG), Claudio Cajado, Evair de Melo (PP-ES), Fred Costa (Patriota-MG), Pastor Sargento Isidório (Avante-BA) e os rebeldes no DEM Pedro Lupion (PR) e Luís Miranda (DF).
Nas conversas ao pé do ouvido, esses aliados avaliavam que Lira não seria subserviente a Bolsonaro. Um apoiador de Lira ponderou, no entanto, que ele começou mal ao dissolver o bloco da oposição como primeiro ato. Lira havia aceitado a formação do bloco adversário pois considerava a eleição ganha, e tomou a atitude depois de pregar o diálogo e decisões colegiadas. Foi aconselhado a rever e buscar composição.
Até mesmo quem não apoiou Lira compareceu. A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) para dar um abraço no novo presidente. O deputado Julian Lemos (PSL-PB), outro “desiludido” com Bolsonaro, festejou a vitória governista. Figuras antes identificadas com a Operação Lava Jato, que investiga Lira, dançavam animadas, como o militante conservador Tomé Abduch, do movimento Nas Ruas. Bolsonaristas ostentavam camisas da campanha presidencial de 2018.
Malandragem
A bancada feminina foi representada por Bia Kicis (PSL-DF), Renata Abreu (Podemos-SP), Soraya Santos (PL-RJ) e Caroline de Toni (PSL-SC). A ex-deputada Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson, cantou “Malandragem”, de Cássia Eller: “Eu só peço a Deus/ Um pouco de malandragem/ Pois sou criança/ E não conheço a verdade.”
Uma banda de música animava os presentes. A trilha passou por pop rock, axé music e muito sertanejo e forró. Um dos mais animados no microfone era o deputado Fausto Pinato (PP-SP), crítico contumaz da política externa bolsonarista e porta-voz das insatisfações chinesas no Congresso.
O buffet tinha opções de pratos quentes, entre eles massa com molho vermelho e paella. De sobremesa, uma variedade de tortas. Dois bares serviam coquetéis como caipirinha, gin tônica, drinks com frutas e vodca, uísque, chope artesanal e vinhos espumante, além dos tintos suave ou seco. A festa ocorreu num ambiente externo nos jardins de uma mansão na Península dos Ministros, a poucos metros da residência oficial da Câmara.
Imagens de bastidores das viagens da campanha de Lira eram exibidas num telão. No meio da festa, a música foi interrompida para um discurso. “A partir de amanhã, a vida é dura”, afirmou o novo chefe da Câmara, sendo abraçado e assediado por ao menos dez pessoas ao seu redor, contrariando todas as recomendações de autoridades de saúde para evitar a propagação do novo coronavírus.