Postado às 07h57 | 12 Dez 2021
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, editado em Lisboa, Portugal
Senadora apresentou nesta semana candidatura ao Palácio do Planalto em 2022 com críticas a Bolsonaro, um dos 11 pré-candidatos homens. O país de Dilma Rousseff é apenas o 142º, entre 192, em participação feminina na política
Novembro de 2015, momento histórico na Câmara dos Deputados do Brasil: o recém-formado Partido da Mulher Brasileira constituía a sua primeira bancada. Era composta por Domingos Neto, Ezequiel Teixeira, Pastor Franklin, Toninho Wandscheer, Valtenir Pereira, Victor Mendes e Weliton Prado. Ou seja, sete homens. É neste contexto de predominância masculina, até no partido que ostenta a palavra "mulher" no nome, que a primeira pré-candidatura feminina às eleições de 2022, apresentada quarta-feira por Simone Tebet, ganha relevância.
Tebet, 51 anos, é senadora há quase sete anos pelo Movimento da Democracia Brasileira (MDB), partido da oposição durante a ditadura militar e aliado de todos os governos em democracia até ao atual. Antes, foi deputada estadual pelo Mato Grosso do Sul e prefeita de Três Lagoas, cidade de 125 mil habitantes daquele estado.
Na mediática Comissão Parlamentar de Inquérito da covid-19, que indiciou duas empresas e 65 pessoas, entre as quais Bolsonaro, acusado de 10 crimes, a agora pré-candidata foi vítima em direto de um episódio considerado machista ao ser chamada de "desequilibrada" por Wagner Rosário, ministro da Controladoria-Geral da União.
A candidatura dela, entretanto, é vista eleitoralmente como apenas mais uma da chamada "terceira via", o grupo que pretende encontrar alternativas ao presidente Jair Bolsonaro (Partido Liberal), candidato à reeleição, e ao antigo chefe de estado Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores), líder das sondagens.
Como essa via está congestionada - Sergio Moro (Podemos), ex-ministro bolsonarista, João Doria (PSDB), governador de São Paulo, e Ciro Gomes (PDT), já três vezes candidato, entre outros, disputam espaço - é possível que na longa corrida até outubro de 2022 Tebet se torne candidata a vice-presidente de um deles numa lista mais abrangente.
"E eles também podem ser meus vices, temos as nossas divergências mas vamos convergir num projeto maior lá frente", respondeu Tebet sobre o tema.
Para Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro, "Moro, Doria e outros disputam Tebet como vice mas essa figura de coadjuvante é muito triste para uma mulher por reforçar aquela imagem do 'atrás de um grande homem, há uma grande mulher', uma imagem que não compreende a mulher como completa, emancipada, independente".
Sobre os seus propósitos, Tebet afirmou que o país precisa de "uma nova arquitetura política" "E há clamor de urgência porque o povo brasileiro está morrendo de fome depois de centenas de milhares terem morrido por uma Saúde omissa, insensível e negacionista", declarou. Para ela, a política ambiental de Bolsonaro é "desastrosa" e o governo "só cria crises artificiais, ou, mais grave, promove a discórdia e a polarização e quer aniquilar as minorias".
Além dos citados Bolsonaro, Lula, Moro, Doria e Ciro, há mais seis candidatos, todos também homens, na corrida em que Tebet decidiu participar. Em classificação elaborada pela organização internacional União Interparlamentar, com base na composição dos parlamentos de cada país, o Brasil ocupa a 142ª posição entre 192. É o penúltimo lugar da América Latina, à frente apenas do Haiti e a larga distância da vizinha Argentina, 20ª da tabela.
No Brasil, as mulheres representam 15% da Câmara de Deputados e 11,54% do Senado, casa onde Tebet tem assento. Embora as mulheres representem 52.5% do eleitorado, ocupam apenas 15,56% do espaço entre deputadas estaduais e 16,51% do total de vereadores do país. "É de lamentar que nunca tenhamos chegado nem a 20% dos cargos eletivos mesmo sendo maioria do eleitorado", assinala Mayra Goulart. "E, o auge, em 2020, foi num contexto conservador em que muitas das eleitas sequer defendiam o reforço dos direitos das mulheres".
A favor do país, a eleição para a presidência de uma mulher, Dilma Rousseff, em 2010, um feito do qual, por exemplo, os Estados Unidos ainda não se podem orgulhar, mas a sucessora de Lula acabaria deposta em 2016 por impeachment - "e, nesse processo, convém lembrar que ouvimos muitos argumentos machistas contra a presidente", recorda Mayra Goulart. Tebet, do mesmo partido do vice-presidente Michel Temer, votou pela queda de Dilma.
A participação das mulheres no poder no gigante sul-americano data dos tempos de Dona Maria I, rainha do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves entre 1815 e 1822, seguida de Dona Leopoldina, regente em 1822, e Dona Isabel, chefe de Estado célebre por assinar a lei que extinguiu a escravidão no país. Além delas e de Dilma, também duas presidentes do Supremo Tribunal Federal assumiram a chefia de estado durante viagens das demais autoridades.
Porém, só em 1932, sob a presidência de Getúlio Vargas, as mulheres conquistaram o direito de voto, e apenas em 1958 Aldamira Fernandes foi eleita por voto popular para um cargo executivo, a prefeitura de Quixeramobim, cidade do estado do Ceará.
Nas presidenciais de 2018, concorreram Marina Silva (Rede) e Vera Lúcia (PSTU), com baixas votações, mas, em 2014, Dilma (PT) foi eleita, Marina (PSB) a terceira mais votada e Luciana Genro (PSOL) a quarta. Em 2010, venceu Dilma (PT) e Marina (PV) foi a terceira.
"Num ambiente de machismo estrutural, apenas com estímulos institucionais é que conseguimos alterar a situação", defende Mayra Goulart. "Dessa forma, acho importante, mais do que as cotas de 30% para candidaturas femininas, a medida já aprovada que prevê que os votos em mulheres sejam contabilizados em dobro no fundo partidário, o que evita que aquelas candidaturas femininas sejam apenas de fachada e leva os partidos a investirem, de facto, em mulheres nos seus quadros", conclui a politóloga.
Entretanto, todos os deputados do Partido da Mulher Brasileira desertaram, deixando a formação sem representação em Brasília. Nos últimos dias, os seus dirigentes, depois de falhadas as negociações para abrigar Bolsonaro, apresentaram como candidato em 2022 o bombeiro evangélico Cabo Daciolo, e procuram mudar o nome do partido no Tribunal Eleitoral para Brasil 35.