Postado às 06h57 | 04 Abr 2021
Um dos grandes nomes do mercado financeiro, Ricardo Lacerda, sócio-fundador do BR Partners Banco de Investimento, diz que a elite empresarial brasileira precisa fazer um mea culpa sobre o apoio que deu a Bolsonaro.
“Na ânsia de evitar o PT, muita gente séria acabou votando em Bolsonaro ainda no primeiro turno. Está aí a origem do desastre que vivemos”, afirma.
Para o banqueiro, o mercado sempre faz análise superficial. “Comprou o discurso liberal do Bolsonaro, ainda que seu comportamento em três décadas de Congresso tenha sido exatamente o oposto”, diz.
O impeachment não deve ser visto como remédio, na opinião de Lacerda, até para a população ter consciência do custo de uma escolha errada.
Para 2022, ele considera baixa a probabilidade de uma terceira via emplacar. Precisaria haver uma grande união de partidos, afirma o banqueiro, que é filiado ao Novo.
Um segundo turno entre Lula e Bolsonaro seria péssimo, diz ele, mas, se acontecer, será preciso analisar o compromisso de cada um com o centro.
“Dilma e Bolsonaro se recusaram a estender a mão para seus oponentes, mesmo depois de eleitos”, afirma.
Lacerda acha que Lula é uma opção ruim, ligada ao passado, mas fez um ótimo primeiro mandato. “Se voltar o Lula de 2002, cercado de pessoas competentes, mantendo as alas ideológicas e fisiológicas do PT mais afastadas, abraçando uma agenda de equilíbrio fiscal, podemos ter um cenário benigno”, diz o banqueiro.
Qual foi a sua leitura sobre as novas demonstrações do avanço do poder do centrão sobre Bolsonaro nesta semana na mudança ministerial?
Em política não existe espaço vazio. O presidente tem se mostrado incapaz de governar, de unir o país, de gerir a pandemia e de emplacar uma agenda minimamente construtiva para superar a crise. Se não fez isso quando estava forte, com a popularidade alta, não o fará agora. O Congresso ao menos tenta criar um caminho. Acho isso positivo. A pouca esperança que ainda existe de reforma tributária, talvez até administrativa, vem desse esforço do Congresso, não do Executivo.
E a cilada do Orçamento, no que vai dar? Mais turbulência no Ministério da Economia? Qual o risco disso para o país, na sua opinião?
Estamos vivendo um cenário fiscal catastrófico e sem nenhum sinal de melhora. É evidente que a pandemia gerou muitos gastos, não poderia ser diferente. Sou a favor do auxílio emergencial, não há como negligenciar os mais necessitados num momento grave como esse. Mas é preciso mostrar as contrapartidas, é preciso deixar claro como o Orçamento será equilibrado olhando pra frente, mesmo que leve tempo. Não há margem de manobra no curto prazo, então, é preciso trocar o timing ideal da solução fiscal pela certeza de que haverá solução. Isso só é viável com reformas.
Existe risco de impeachment?
Não vejo nenhum clima para impeachment. O impeachment de Dilma já foi muito traumático. Impeachment não é remédio pra mau governante. Precisamos mudar essa dinâmica, até para que a população se conscientize dos custos de uma escolha errada.
A crise com os militares projeta alguma preocupação?
Acho que não. As instituições estão funcionando plenamente e nossos militares sabem qual o papel das Forças Armadas. Tanto que se recusaram a patrocinar o discurso político e oportunista do presidente. Não existe o menor clima para golpe, até porque, um golpe para manter no poder alguém incapaz de governar é algo que não faz nenhum sentido.
E o papel de Paulo Guedes?
Ele perdeu a visibilidade como liderança? O Ministro Paulo Guedes é um economista brilhante, um homem de visão diferenciada e, acima de tudo, um patriota. Compôs uma equipe de primeira linha, cuja grande maioria ainda permanece no governo. Temos no BNDES, na Petrobras, na Caixa, equipes trabalhando muito duro, buscando formas de seguir com o processo de desestatização e melhorando a governança das estatais. Não vimos nenhum escândalo de corrupção nessas empresas durante o atual governo, porque estão sendo geridas por profissionais qualificados. Mas o apoio do presidente, se é que em algum momento existiu, não existe mais. E sem esse apoio não vai haver milagre, nem do Paulo Guedes nem de ninguém mais.
Por várias vezes o comportamento de Bolsonaro gerou incertezas no mercado nestes dois anos. O mercado foi ingênuo ao apoiar a candidatura dele?
O mercado sempre faz uma análise superficial, avalia as opções mais imediatas e cria sua narrativa. Comprou o discurso liberal do Bolsonaro, ainda que seu comportamento em três décadas de Congresso tenha sido exatamente o oposto. E, ao longo do seu mandato, Bolsonaro vem explodindo pontes, falando absurdos, promovendo insultos e cometendo erros grosseiros. Tudo isso reverbera mundo afora. Nunca tivemos nossa imagem internacional tão abalada.
Se desenha um segundo turno entre Bolsonaro e Lula em 2022. O sr. declarou voto nulo no segundo turno de 2018. Faria isso de novo?
O cenário de Lula e Bolsonaro no segundo turno do ano que vem seria péssimo para o país. Precisamos trabalhar pra ter uma opção de centro. Mas, se sobrarem essas duas opções, teremos que avaliar como terão chegado até lá, quais suas sinalizações, seus compromissos em direção ao centro. Dilma e Bolsonaro se recusaram a estender a mão para seus oponentes, mesmo depois de eleitos. Em vez de ampliar sua base de apoio, reforçaram o discurso para seus seguidores mais radicais. Essa polarização tem feito mal ao país. Precisamos nos livrar dessa praga elegendo alguém que una a população, que traga bom senso e resgate os valores da democracia.
Muita gente achou o discurso de Lula mais palatável ao empresariado. Se for mantido o cenário de governo Bolsonaro como temos hoje, Lula poderia reconquistar a confiança do mercado? E como?
Acho Lula uma opção ruim. É um nome mais ligado ao passado do que ao futuro. Precisamos de uma liderança nova. Mas ele já foi presidente e fez um ótimo primeiro mandato. Se voltar o Lula de 2002, cercado de pessoas competentes, mantendo as alas ideológicas e fisiológicas do PT mais afastadas, abraçando uma agenda de equilíbrio fiscal, podemos ter um cenário benigno.
Essa terceira via tem chances ou seria esmagada? Que nome teria chance? E o sr. tem atuado em algum grupo de empresários para refletir sobre isso?
Eu continuo filiado ao Partido Novo e espero que possamos integrar uma grande frente de centro. Vejo nomes como o do governador Eduardo Leite [do Rio Grande do Sul] ganhando expressão nacional e trazendo esperança de renovação. Seria ótimo tê-lo como um candidato competitivo em 2022. Mas vejo como baixa a probabilidade de emplacar uma terceira via. Tanto o PT quanto Bolsonaro têm bases de apoio muito sólidas para chegarem ao segundo turno. Precisa haver uma grande união de partidos para mudar isso.
A tal da carta dos 500 com grandes banqueiros e economistas pedindo solução para crise brasileira não veio tarde demais? Acho que foi um movimento genuíno, de pessoas perplexas com tanta incompetência, descaso e patifaria. É óbvio que a elite empresarial brasileira precisa fazer uma reflexão, um mea-culpa sobre o apoio que deu a alguém que, analisando de maneira simples e direta, não tem a menor qualificação para o cargo que ocupa. Isso, pra mim, sempre foi claro e agora está absolutamente comprovado. Havia bons candidatos no primeiro turno em 2018. Mas, na ânsia de evitar o PT, muita gente séria acabou votando em Bolsonaro ainda no primeiro turno. Está aí a origem do desastre que vivemos hoje.
O que o sr. acha dessa iniciativa de empresários querendo vacinar funcionários?
Acho que temos que abraçar todas as possibilidades de acelerar o processo de vacinação. Onde há vacina, há esperança, e a iniciativa privada tem os meios e a agilidade para ajudar nesse processo de importação de vacinas.