Postado às 08h06 | 31 Mai 2020
Elio Gaspari
O ministro da Educassão, Abraham Weintraub, comparou a operação contra os financiadores da máquina de mentiras do bolsonarismo à “Noite dos Cristais” de 1938, quando os nazistas queimaram centenas de sinagogas, destruíram milhares de lojas e mataram pelo menos 90 judeus. Weintraub tomou contravapores da embaixada de Israel, do Comitê Judaico Americano e da Confederação Israelita, por banalizar o antissemitismo que desembocou no Holocausto. Comparar as duas situações é confundir hemorroida com hemograma.
Nos seus delírios, o ministro pratica uma ignorância seletiva. Na tétrica reunião do Ministério de 22 de abril ele ouviu seu colega Paulo Guedes dizer que conhece “profundamente, no detalhe, não é de ouvir falar”, diversos programas de reconstrução econômica, entre eles os da “Alemanha na Segunda Guerra e na Primeira, com o Schacht.”
Para uma mente sensível como a de Weintraub, a lembrança de Guedes tinha um aspecto politicamente tóxico. A Primeira Guerra terminou em 1918 e Hjalmar Schacht assumiu a presidência do Reichsbank em 1923. Nesse cargo ele estabilizou a moeda alemã. Em 1930, quando a dívida do país estrangulava sua economia, ele avisou que “se o povo alemão tiver que passar fome, teremos muitos Adolf Hitler”. Não deu outra e, em 1933, Hitler assumiu o governo. Quindim da banca, Schacht era um coletor do Caixa Dois dos nazistas e um ano depois, quando o ministro das Finanças reclamou da perseguição aos judeus, ele o substituiu. Soltou dinheiro para obras públicas e para o rearmamento do Reich.
Ele deixou o comando da economia antes da Noite dos Cristais, mas continuou como ministro sem pasta até 1943. (A Solução Final do extermínio dos judeus foi decidida em 1942).
Schacht foi um alemão emblemático de sua geração, que não sabia o que estava acontecendo. Ele começou a vida no Dresdner Bank, da família Gutman, e não moveu um dedo quando ela começou a ser perseguida. A baronesa Louise morreu em Auschwitz e seu marido, Fritz, foi assassinado no campo de Theresienstadt. Schacht foi absolvido pelo tribunal de Nuremberg, que enforcou uma parte da cúpula civil e militar do nazismo, e morreu em 1970, aos 83 anos. Sua mulher usava um broche, uma suástica de rubis e brilhantes.
Jair Bolsonaro está encrencando com o Judiciário (“Temos que botar limites” ou “Chega!”) porque acordou para o fato de que tem um encontro marcado com o Tribunal Superior Eleitoral no julgamento dos pedidos de cassação de sua chapa com o vice Hamilton Mourão. Os processos são seis, dois podem morrer em poucos dias, mas quatro persistirão. Todos eles se referem aos disparos de notícias falsas na rede, tema da investigação conduzida pelo ministro Alexandre Moraes.
Pelo andar da carruagem, o TSE julgará o caso ainda este ano. É a crise da vida anunciada.
Deixando-se de lado a lógica constitucional da cassação de uma chapa no segundo ano de seu mandato, precisará ficar provado que os disparos das mentiras na rede foram praticados com recursos ilegais e que tenham influenciado de forma decisiva o resultado da eleição. A investigação determinada pelo ministro José Antonio Dias Toffoli pode ter uma origem escalafobética, mas as conclusões do trabalho de Alexandre de Moraes serão um fato em si. Pelo que já se sabe, desagradarão os Bolsonaro. Eles têm alguns meses para criar um clima capaz de convencer a população de que o Judiciário que mutilar o Executivo.
Uma coisa é certa: ameaçando a Justiça com a hipótese de um golpe de generais no meio de uma pandemia e no início de uma recessão, Bolsonaro entroniza-se como encarnação da instabilidade política, econômica e sanitária.
Quando ele diz que “ordens absurdas não se cumprem” e oferece cadeiras no Supremo Tribunal como se fossem chuchu de feira confirma que antes de chegar à metade do mandato, tornou-se um criador de problemas. Afinal, quem decide que uma ordem é absurda? Aquele cabo que pode fechar o Supremo?
Outro dia, respondendo ao governador Wilson Witzel, o senador Flávio Bolsonaro lembrou, a troco de nada, que “você ficava ligando para o Queiroz para correr atrás de mim na campanha. Sabia que o Queiroz estava do meu lado. Um cara correto, trabalhador, dando sangue por aquilo que acredita.”
Desde o final de 2018, esta foi a primeira vez que o 01 louvou a figura de Fabrício Queiroz, faz-tudo do gabinete de seu pai.
De vez em quando, Queiroz queixa-se de abandono, pois já temeu que os procuradores tenham um objeto “do tamanho de um cometa para enterrar na gente”.
Falta explicar por que o senador demitiu o “cara correto, trabalhador” que dá o “sangue por aquilo que acredita” pouco antes da realização do segundo turno da eleição presidencial. No mesmo dia, Jair Bolsonaro demitiu a filha de Queiroz, lotada no seu gabinete da Câmara dos Deputados.
A sorte de Witzel
O governador Wilson Witzel é um homem de sorte. A Polícia Federal varejou o palácio onde ele vive e o apartamento onde morou, sem dar um só tiro.
Uma semana antes, numa operação em São Gonçalo, sua polícia, numa operação da qual participou a Polícia Federal, entrou numa casa, deu 72 tiros e matou o menino João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos.
Como Bolsonaro ressuscitou a figura do general palaciano, vale um registro. Assim como o patrono da arma da cavalaria é o general Osório (que levou um tiro no rosto durante uma batalha), essa espécie tem no general João Baptista Figueiredo sua maior expressão.
Figueiredo não esteve na Força Expedicionária Brasileira que combateu na Itália, mas fez uma brilhante carreira palaciana.
Em 1964, como coronel, assumiu a Agência Central do Serviço Nacional de Informações. De 1969 a 1974 foi chefe do Gabinete Militar do presidente Emílio Médici e, em seguida, dirigiu o SNI no governo de Ernesto Geisel. Foram 13 anos no palácio e nos seus arredores, interrompidos por apenas três de serviço em quartéis.
Em 1979 Figueiredo chegou à Presidência da República e os patrocinadores dessa ascensão acreditavam que o palácio lhe dera experiência. Enganaram-se. Seu governo foi ruinoso e em 1985 ele deixou o Planalto por uma porta lateral, pedindo para ser esquecido, o que conseguiu.
A professora Kone Prieto Fortunato Cesario, vice-diretora da Faculdade Nacional de Direito informa: a iniciativa dos ministros Luiz Fux (STF) Benedito Gonçalves e Luis Felipe Salomão (STJ), mais o desembargador Cezar Augusto Rodrigues Costa, conseguiu arrecadar R$ 63 mil para ajudar 240 estudantes cotistas.
O Webinar “A Covid-19 e o futuro das Cortes” teve 190 inscritos e dez advogados, bem como a empresa UCB, fizeram doações.