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Elio Gaspari:"Uma santa vitória dos evangélicos"

Postado às 07h56 | 19 Dez 2021

Elio Gaspari

Os bons costumes nacionais devem à boa parte da bancada evangélica da Câmara um grande serviço. Ela travou a trama que pretendia legalizar o jogo em Pindorama. À primeira vista, o que havia era apenas um truque do presidente da Câmara, Arthur Lira, levando ao plenário no escurinho de Brasília um velho projeto, que legaliza os jogos de azar e permite a reabertura de cassinos, chamando-os de resorts. O filé mignon e o pote de veneno dessa inciativa estão na abertura dos cassinos. Por trás de uma panaceia arrecadatória e turística, há muito mais.

Aos fatos:

Em maio de 2018, entrando pela cozinha do Copacabana Palace, o candidato a presidente Jair Bolsonaro e o economista Paulo Guedes se encontraram com o bilionário americano Sheldon Adelson. Ele veio ao Brasil com dois objetivos: obter a promessa da instalação da embaixada brasileira em Jerusalém e tratar da abertura de cassinos em cidades turísticas. Adelson, grande financiador do partido Republicano nos Estados Unidos, tinha cassinos em Las Vegas, Singapura e Macau.

O jabuti andou. Em dezembro daquele ano, o então prefeito do Rio, Marcelo Crivella, defendeu a criação de um complexo hoteleiro com cassino no Porto Maravilha. Meses depois, já na presidência da República, Bolsonaro informou: “Não quero adiantar aqui. Brevemente, estará sendo apresentado aos senhores um projeto que, com todo o respeito ao Paulo Guedes, a previsão é de termos dinheiro em caixa maior do que a reforma previdenciária em dez anos”.

Nas contas dos amigos do jabuti, os cassinos poderiam render à Viúva até R$ 18 bilhões em arrecadação. Bolsonaro teria discutido o assunto num de seus encontros com o presidente americano Donald Trump, dono de cassinos na sua terra.

Em novembro de 2019, o ministro Paulo Guedes veio para a vitrine e louvou os cassinos de Las Vegas: “Imagina ter o mesmo na região da Amazônia? Mistério, turismo, entretenimento e um centro mundial de energia sustentável”. Outros príncipes do bolsonarismo circularam pelo circuito mundial da jogatina e pelo escritório de Adelson.

Na famosa reunião do ministério de abril de 2020, o tema dos resorts reapareceu com sua roupagem de vestal do turismo. Foi rebatido pela terrivelmente evangélica ministra Damares Alves: “Pacto com o diabo.”

Damares vocalizava uma posição arraigada no meio evangélico que não bebe, não fuma e não joga. O assunto poderia ter morrido, mas Paulo Guedes retomou-o:

“Tem problema nenhum. São bilionários, são milionários. Executivos do mundo inteiro. (...) O turismo saiu de cinco milhões em Singapura para 30 milhões por ano. O Brasil recebe seis. (...) O sonho do presidente de transformar o Rio de Janeiro em Cancún lá, Angra dos Reis em Cancún . (...) É um centro de negócios. É só maior de idade. O cara entra, deixa grana lá que ele ganhou anteontem, ele deixa aquilo lá, bebe, sai feliz da vida. Aquilo ali não atrapalha ninguém. Deixa cada um se foder. Ô Damares. Damares. Damares. Deixa cada um ... Damares. Damares. O presidente fala em liberdade. Deixa cada um se foder do jeito que quiser. Principalmente se o cara é maior, vacinado e bilionário. Deixa o cara se foder, pô! Não tem ... Lá não entra nenhum, lá não entra nenhum brasileirinho.”

Ninguém seria capaz de imaginar que esse seria o nível do debate de um doutor pela universidade de Chicago, mas vá lá.

A discussão de abril se tornou pública e o projeto continuou sua caminhada pelo escurinho de Brasília. Se uma parte da bancada evangélica tivesse ficado quieta, Arthur Lira teria colocado na pauta a legalização dos cassinos. Com a reação, ele aprovou a urgência, mas se comprometeu a só colocar o mérito do projeto em votação a partir de fevereiro. Até lá, como diz o croupier da roleta: façam seus jogos, senhores.

Sheldon Adelson terá que esperar. Ele morreu em janeiro passado, aos 87 anos, deixando algo como US$ 30 bilhões.

Madame Natasha saúda o neologismo

Madame Natasha adorou ouvir que delegados da Polícia Federal criticaram o espetáculo da ação praticada contra os irmãos Ciro e Cid Gomes na terça-feira, classificando-a de “lavajatismo”.

A expressão Lava-Jato, que designava ações contra a corrupção de políticos e empresários, gerou um neologismo que designa teatralidades intimidatórias, destinadas a condenar suas vítimas pela construção de espetáculos.

Natasha encantou-se com o neologismo, que a remeteu ao grande momento literário de Dean Acheson, o secretário de Estado americano (1949-1953) que ela adorava na sua juventude. Imponente, chique e mordaz, Acheson comeu o pão que Asmodeu amassou nas mãos do senador Joseph McCarthy, que comandou uma caça às bruxas na administração americana. Bebum e mentiroso, ele acabou censurado pelos colegas. Morreu em 1957, levado pela cirrose e pela amargura.

Anos depois, ao escrever suas magníficas memórias, Acheson deu-lhe poucas e memoráveis palavras. Disse que, como o juiz Lynch (pai do verbo linchar) e do capitão Boycott (pai do verbo boicotar), o senador “enriqueceu a língua inglesa” gerando a palavra macartismo.

Lexotan para Guedes

Desde 1959, quando o governo brasileiro vai para as cordas, o presidente ou seu ministro da Fazenda arrumam uma encrenca com o Fundo Monetário Internacional. Agora foi a vez do doutor Paulo Guedes. Aborrecido com as previsões pessimistas e erradas do Fundo para o desempenho da economia brasileira, ele dispensou os serviços do escritório do Fundo em Brasília.

Poderia ter feito isso em silêncio ao estilo de Pedro Malan ou de Octavio Gouveia de Bulhões, mas preferiu dar ao gesto uma marca bolsonariana: “O FMI fez uma lambança, e eu descredenciei a missão”.

Não precisava, até porque por mais lambanças que o Fundo faça, elas não se comparam com as que as ekipekonômikas de Pindorama patrocinam.

Na mesma apresentação, Guedes maltratou o economista Ilan Goldfajn, o ex-presidente do Banco Central que assumirá uma diretoria do Fundo em Washington. Goldfajn é acima de tudo uma pessoa educada que irradia bom humor. Explicando-se, Guedes informou: “O Ilan é um ótimo brasileiro. Boa pessoa, tudo isso. Ontem, criticou a gente pesado, então estou devolvendo hoje”.

O general da reserva Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, disse que toma Lexotan na veia para aguentar o Supremo Tribunal Federal. Ele poderia aproveitar a oportunidade, criando um posto de atendimento para ministros que precisam de ansiolíticos. Algumas doses fariam bem a Guedes.

Petista feliz

De um petista feliz com as últimas pesquisas debaixo do braço:

“Do jeito que vão as coisas, Bolsonaro não irá ao segundo turno porque não haverá segundo turno.”

 

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