Postado às 08h13 | 09 Nov 2022
Elio Gaspari
Lula entrará no Planalto com uma oposição jamais vista na política brasileira, composta por inimigos, nada a ver com adversários. A falta de modos do general da reserva Augusto Heleno, há dias, é um aperitivo do que vem por aí.
Houve presidentes que assumiram sabendo que havia uma conspiração interessada em depô-los. Nunca houve caso em que o titular manifestasse seu descontentamento com a intensidade de Bolsonaro. Juscelino Kubitschek encestaria Jânio Quadros se ele lhe fizesse uma descortesia, mas o demagogo não era doido e foi gentil na cerimônia. Aureliano Chaves, vice-presidente de Figueiredo, ameaçou encestá-lo se lhe fizesse uma grosseria na posse de Tancredo Neves. Quem assumiu foi José Sarney, o general não passou a faixa, e tudo acabou bem.
Até aí, pode-se dizer que eram desconfortos pessoais. No caso de Bolsonaro, há muito mais que isso. Nunca se viram partidários da situação derrotada indo para fora dos quartéis pedindo um golpe. As vivandeiras operavam à noite, em silêncio. Nunca um presidente brasileiro assumiu com uma parte da população pedindo, às claras, um golpe. Golpista deixou de ser um insulto.
Se isso fosse pouco, a tropa de choque da oposição a Lula é formada por personagens com uma carga de virulência capaz de transformar o deputado Roberto Jefferson, da guarda pretoriana de Fernando Collor, num lorde inglês. A política brasileira passa por uma fase tóxica. Basta lembrar que a bancada que fez oposição a Getúlio Vargas e João Goulart era chamada de “Banda de Música”. No século passado, Roberto Jefferson tinha modos e nunca atirou nos outros. Nessa fase tóxica, mentir deixou de ser falta de educação, virou estratégia em português de “fake news”, em inglês.
Bolsonaro intitula-se líder da direita. É uma meia verdade. Trata-se de uma direita popular, mobilizada e primitiva, como ele. Não pode ser comparada à direita com os punhos de renda, que era educada, mas nunca teve 58 milhões de votos. Nem todos esses votos identificam-se com o radicalismo do capitão, mas a parte que de fato se identifica é um fenômeno novo, uma direita radical, popular e mobilizada. Faz tempo, quando a direita mobilizou centenas de milhares de pessoas nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade, a ditadura de 1964 desmobilizou-a.
Lidando com inimigos, Lula está diante de um novo desafio. Em sua notável carreira, ele só lidou com esse fenômeno no breve período de sua demonização pela Lava-Jato. Agora, terá que conviver com ele no exercício do mandato.
Sua vitória de outubro se deu por uma pequena porcentagem. Aos seguidores de suas propostas, juntaram-se pessoas que votaram apenas em defesa da democracia. Esse bloco, ele não pode perder. Como será possível governar ampliando sua base de apoio, não se sabe. Será um prato a ser temperado enquanto é cozido.
Uma coisa é certa. A ideia de que ele foi eleito por uma frente ampla é bonita, porém falsa. Essa frente formou-se para elegê-lo — e só, até porque, com o naufrágio da terceira via, ele era a alternativa disponível. A verdadeira frente só poderá surgir na formação do governo e no seu funcionamento.