Postado às 04h53 | 19 Jul 2020
Elio Gaspari
Se faltasse uma cena capaz de mostrar que Brasília é uma ilha de fantasias e o governo de Jair Bolsonaro vive no mundo da lua, mostrou-se perfeita a posse do professor Milton Ribeiro no Ministério da Educação.
Os estudantes brasileiros estão sem aulas presenciais desde março e, em janeiro, 5,8 milhões de jovens que concluíram o nível médio irão para o Enem sem o preparo necessário. A respeito dessa desgraça, nem uma palavra.
Ribeiro contou que sua Universidade Mackenzie foi a primeira a receber filhos de escravos e que estudou na rede pública. Bolsonaro lembrou que fez toda a vida em escolas da Viúva. Nenhum dos dois percebeu que, de acordo com dados de 2008, 3 em cada 10 jovens que concluíam o ensino médio não tinham acesso a internet. Sem ela e sem aulas, resta saber como podem se preparar direito. Os jovens Milton e Jair provavelmente estariam ferrados no Enem de janeiro.
Esse Enem será um massacre para os jovens do andar de baixo e não há educateca ilustre preocupado com isso. Sabe-se lá o que pode ser feito, mas a triste realidade é que eles nem fingem estar preocupados.
A única coisa que se fez foi pôr em circulação a cloroquina pedagógica do ensino a distância. Na teoria, resolve qualquer problema; na prática, resolve os problemas de alguns espertalhões.
Amanhã Ribeiro estará sentado de ministro. Pode começar sua gestão perguntando como foi preparado o edital 013 de 21 de agosto de 2019. Ele mexia exatamente com a informatização da rede pública de ensino. Pretendia jogar R$ 3 bilhões para a compra de 1,3 milhão de computadores, laptops e notebooks.
A Controladoria-Geral da União apontou a maracutaia.
Repetindo: a Escola Municipal Laura de Queiroz, de Minas Gerais, receberia 30.030 laptops para seus 255 estudantes. Na Chiquita Mendes, de Santa Bárbara do Tugúrio (MG), cada aluno ganharia cinco laptops.
Duas das empresas que mandaram orçamentos ao FNDE enviaram cartas com o mesmo erro de português: "Sem mais, para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessária". Noutra coincidência, as duas empresas pertenciam à mesma família.
O edital foi cancelado. De lá para cá, o FNDE (R$ 58 bilhões no cofre) teve três presidentes e ninguém contou como o jabuti foi parar na árvore.
Ribeiro anunciou que é homem do diálogo. Pode começar perguntando de onde saiu o edital. Se sobrar tempo, pode tentar saber o que é possível fazer pelos jovens que ficaram sem aulas e não têm acesso à rede.
A delegada interpretada por Flávia Alessandra perdeu
Depois de mais de três anos de litígio, o juiz Elder Fernandes Luciano, da 10ª Vara Federal Criminal do Rio, absolveu o repórter Marcelo Auler no processo que lhe movia a delegada Erika Mialik Marena por ter publicado um artigo em que lhe atribuía possíveis vazamentos de informações relacionados com a Operação Lava Jato. Mais: o juiz disse que "não é necessário prolongar a ação penal com instrução processual em virtude de poder reconhecer que o fato narrado evidentemente não constitui crime".
Marena considerou-se ofendida e queria uma indenização de R$ 8.000. Em 2016, a delegada da Polícia Federal conseguiu uma ordem judicial para tirar do ar dez reportagens de Auler. Um mês depois, a decisão foi revogada. Ela foi um dos pilares do período de esplendor da Lava Jato em Curitiba e deu nome à operação. No filme "A Lei é Para Todos", Marena foi interpretada pela atriz Flávia Alessandra.
No dia 14 de setembro de 2017, a delegada comandou a espetaculosa Operação Ouvidos Moucos, que investigava fraudes nas contas da Universidade Federal de Santa Catarina. O reitor Luis Carlos Cancellier foi preso. Libertado, estava proibido de circular no campus da escola e escreveu um artigo contando "a humilhação e o vexame" a que foi submetido: "Uma investigação interna que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não permitiram o contraditório e a ampla defesa; informações seletivas repassadas à Polícia Federal".
Sete dias depois, o professor se matou se atirando do alto de um shopping de Florianópolis.
Rodrigo Maia cai numa armadilha ao tentar se reeleger
Quem conhece a Câmara acredita que o deputado Rodrigo Maia está caindo numa armadilha ao tentar se reeleger para a presidência da Casa.
Os inimigos que pretendem fritá-lo alimentam-lhe a ideia de que conseguirá passar pelo Supremo Tribunal e terá os votos para a recondução. Enquanto ele acredita nisso, fica prisioneiro da agenda de todos os cleros da Casa.
Quem já viu como as crises engordam mesmo em jejum garante que o caso da representação dos comandantes militares contra o ministro Gilmar Mendes precisa ser descascado logo.
Nessas horas, quando alguém sugere esperar mais um tempinho, está apostando do agravamento da encrenca.
Pelo cheiro da brilhantina, a Procuradoria-Geral se entendeu com o Ministério Público do Rio e se destravaram várias investigações que estavam travadas há meses.
Má notícia para pelo menos cinco desembargadores do Tribunal de Justiça.
Se o Brasil tivesse chanceler, já teria seguido o conselho de John Bolton
Se o Brasil tivesse chanceler, já teria seguido o conselho que John Bolton, o ex-assessor para segurança nacional de Trump, transmitiu pela repórter Beatriz Bulla: Bolsonaro deve abrir canais de conversas com a equipe do candidato democrata Joe Biden.
Essa é uma tarefa para a espécie de diplomatas que o ministro Ernesto Araújo detesta: experientes, relacionados e hábeis.
Biden já pôs dois dígitos de vantagem sobre Trump e, ao contrário do que fez Hillary Clinton há quatro anos, flerta com os republicanos de centro com a mesma habilidade que Ronald Reagan cultivou os democratas moderados em 1980.
O TCU inventou que tem poderes que nem o Supremo tem
Está nas livrarias "O Soberano da Regulação - O Tribunal de Contas e a Infraestrutura", dos advogados Pedro Dutra e Thiago Reis. É um trabalho jurídico, frio e devastador. Mostra como o TCU, um organismo que deveria assessorar o Legislativo como uma corte de contas, transformou-se num Tribunal, seus conselheiros viraram ministros e expandiram suas atividades metendo-se em tudo. Atribuem-se poderes que nem o Supremo Tribunal tem. Por exemplo: avaliar a economicidade de uma praça de pedágio ou definir os "processos de desestatização".
É um livro técnico, útil para ser discutido, sobretudo quando expõe que se formou um corpo burocrático interessado em "alavancar o potencial de controle do TCU em matérias regulatórias". (Palavras de um documento de um braço da instituição.)
Faz tempo que o Tribunal de Contas vai além de suas chinelas, mas deve-se reconhecer que o chão de Brasília está cheio de cacos de vidros y otras cositas más. Foi o TCU quem detonou a maluquice do trem bala durante o comissariado petista.