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Elio Gaspari: "Passados dois anos, a 'nova política' de Bolsonaro é nova, e pior"

Postado às 08h07 | 04 Jul 2021

Elio Gaspari

vacina com pixuleco de US$ 1 humilha um país onde já morreram mais de 500 mil pessoas e, entre os vivos, há 14,8 milhões de desempregados.

Passados dois anos da promessa de uma “nova política” com Jair Bolsonaro, chegou-se a algo muito pior. Sabia-se que as tais “bancadas temáticas” que dariam suporte ao governo eram uma fantasia, prima do nióbio, do grafeno e da cloroquina. Tudo acabou nas mãos do centrão, reforçado pelo primarismo das milícias.

Nenhum dos picaretas que atacou a bolsa da Viúva equiparou-se ao cabo da PM mineira Luiz Paulo Dominguetti Pereira. Ele denunciou que Roberto Ferreira Dias, o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, pediu-lhe um pixuleco de US$ 1 para cada unidade da vacina da Oxford/AstraZeneca numa encomenda de 400 milhões de unidades.

A um dólar por vacina o pixuleco seria de US$ 400 milhões. Isso não existe, como não existe um rato de 40 toneladas. Na tarde de quinta-feira o senador Tasso Jereissati, com sua experiência de empresário bem-sucedido, demonstrou que o laboratório AstraZeneca não teria como entrar numa operação desse tipo. Se isso fosse pouco, a empresa nunca teria capacidade para fornecer 400 milhões de vacinas a quem quer que seja.

Num governo normal, o cabo Dominguetti seria desqualificado como um simples Napoleão de hospício, mas o de Bolsonaro não é um governo normal. Nele, os Napoleões internam o diretor do manicômio.

Em dezembro do ano passado, o coronel Elcio Franco, com seu brochinho de punhal ensanguentado, disse que o governador João Doria sonhava acordado ao prometer vacinas para janeiro: “Não brinque com a esperança de milhares de brasileiros. Não venda sonhos”. No dia 17 de janeiro a enfermeira Mônica Calazans recebeu a primeira dose da vacina Coronavac, aquela que Bolsonaro garantia que não seria comprada.

Um mês depois da vacinação de Mônica Calazans, o cabo Dominguetti encontrou-se com Dias num restaurante de Brasília. Dias estava acompanhado pelo seu assessor, o tenente-coronel da reserva Marcelo Blanco, um dos 21 militares da ativa e da reserva que escoltavam o general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde.

Em março, ao deixar o cargo, o próprio Pazuello denunciou “a liderança política que nós temos hoje”. Atribuiu sua queda a um grupo de “oito atores [...], um grupo interno nosso” que “tentou empurrar uma pseudonota técnica que nos colocaria em extrema vulnerabilidade, querendo que aquele medicamento, a partir dali, estivesse com critérios técnicos do ministério, e ele [o medicamento] não tinha”.

O general deixou o ministério, subiu no carro de som de Bolsonaro e hoje está no Palácio do Planalto. Nunca explicou quem eram os oito nem qual era o medicamento.

Três dias antes do jantar com o cabo Dominguetti, o tenente-coronel Blanco abriu a empresa Valorem Consultoria em Gestão Empresarial. Já o diretor Roberto Dias estava com a cabeça a prêmio, pois Pazuello havia decidido demiti-lo, mas o senador Davi Alcolumbre segurou a lâmina na Casa Civil da Presidência. A mesma lâmina que meses depois cortaria o pescoço da médica infectologista Luana Araújo, nomeada pelo ministro Marcelo Queiroga para a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19. Ela não merecia a confiança do governo, pois condenara o uso de drogas milagrosas.

Concessionários do aeroporto Galeão podem devolvê-lo à Viúva

O Rio de Janeiro tem dois aeroportos. Um é de sonho, diante do Pão de Açúcar, na ponta do Aterro. O outro, no Galeão, poderia ter sido um brinco, mas foi capturado por concessionários que fizeram fama na Lava Jato e está mal das pernas.

Os concessionários do Galeão brigam para limitar os voos do aeroporto do centro, cabalando até mesmo o seu fechamento, para virar um paliteiro imobiliário.

As companhias aéreas começaram a desviar voos internacionais para São Paulo no governo de Leonel Brizola porque ele tinha boas relações com os aerocratas da falecida Varig.

Os concessionários do Galeão podem defender seus interesses oferecendo mais facilidades aos passageiros. Se compraram a outorga de um mico, podem devolvê-lo à Viúva, que, bem ou mal, cuidava dele sem namorar uma forma tropical de destruição criadora do capitalismo: a destruição física do concorrente.

Assim como os japoneses da SuperVia, os cingaleses da Changi compraram o controle do aeroporto da Odebrecht.

2001 E 2021

Em 2001 o Brasil passou por uma crise de energia provocada pela falta de chuvas. Passaram-se 20 anos, os problemas estruturais da matriz energética foram descuidados e o problema voltou, piorado.

Em 2001 o governo de Fernando Henrique Cardoso estabeleceu uma “tarifa de ultrapassagem”. Quem consumisse acima de um teto razoável pagaria a mais pela energia. Segundo FHC, 93% das famílias ficariam livres de tungas.

Passaram-se 20 anos e andou-se para trás. A crise deste ano está sendo enfrentada com um aumento amplo geral e irrestrito de tarifas.

SABEDORIA CHINESA

Com bons motivos, o presidente Xi Jinping transformou o centenário do Partido Comunista Chinês num grande acontecimento.

A festa dá ao seu regime uma boa oportunidade para se autofestejar passando de raspão pela figura de Mao Tsé-Tung.

Em junho de 1921 os comunistas chineses eram 53 e não há registro de que Mao estivesse entre eles. No ano seguinte ele está lá.

No andar de cima, duas operações tentaram trazer vacinas ao país

O cabo Dominguetti operou a compra de vacinas vindo do andar de baixo.

Pelo andar de cima conhecem-se duas operações. Uma veio da autodeclarada Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas. Ela trabalhava com a Covaxin indiana, representada por Francisco Maximiano, o Max.

No braço da Oxford/AstraZeneca, que reiteraria nada ter a ver com a proposta, notáveis operadores tentaram, sem sucesso, formar um consórcio de empresas que trariam ao Brasil 33 milhões de vacinas. Como no caso dos 400 milhões de Dominguetti, ofereciam uma produção que a empresa não seria capaz de produzir.

Essa operação teve a simpatia de Fabio Wajngarten, então secretário de Comunicação do governo, do diretor jurídico do grupo Gerdau e do doutor Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias de São Paulo. Skaf desmentiu que tivesse perfilhado a proposta e ela sumiu na orfandade.

A dose da AstraZeneca do cabo custaria US$ 3,50 (sem contar o dólar do pixuleco). A do andar de cima sairia por US$ 23,79. Ainda não se conhece a identidade do operador dessa proposta.

COSTURANDO POR DENTRO

Enquanto toda sorte de espertalhões tentavam atravessar contratos de vacinas e os çábios do governo obstruíam negociações com a Pfizer, foi o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, quem desemperrou as conversas.

Não disse uma palavra antes, durante, nem depois.

 

 

 

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