Postado às 07h33 | 28 Nov 2021
Elio Gaspari
O PT subiu num salto alto à sua maneira. Num pé, calçou um modelo Sabrina; noutro, um Stiletto. Como eles têm alturas diferentes, incomodam pouco quem joga sentado, mas atrapalham, e muito, quem tiver que se mover numa campanha eleitoral.
Em menos de um mês, o comissariado se amarrou numa incompreensível, porém deliberada, defesa de regimes ditatoriais ditos de esquerda. Primeiro, um comissário saudou a vitória de Daniel Ortega numa eleição que lhe rendeu o quarto mandato à custa da prisão de postulantes. A presidente do PT disse que o festejo não havia passado pelo crivo da direção. Passaram-se semanas, e Lula foi confrontado pelo caso nicaraguense por duas entrevistadoras do jornal “El País”. Numa resposta marota de palanque, bateu no cravo e acertou Ortega defendendo a alternância dos governantes no poder. Na ferradura, lembrou que Angela Merkel ficou 16 anos no poder. Adiante, repetiu o truque ao dizer que a democracia em Cuba depende do fim do bloqueio econômico dos Estados Unidos. Nenhuma das duas coisas tem a ver com a outra.
Nosso Guia foi prejudicado pela retórica de que se vale nos discursos. As repórteres Pepa Bueno e Lucía Abellán, contudo, eram entrevistadoras.
Dois dias depois, a ex-presidente Dilma Rousseff participava de um debate sobre o livro “China, o socialismo do século XXI” e disse o seguinte:
“A China representa uma luz nessa situação de absoluta decadência e escuridão que é atravessada pelas sociedades ocidentais.”
Internet censurada, partido comunista (o único) controlando empresas e roubalheiras sazonais iluminam pouca coisa, mas se a doutora gosta dessa penumbra, o problema é dela. Mais intrigante foi a contraposição que ela pôs na mesa: a “absoluta decadência e escuridão que é atravessada pelas sociedades ocidentais”.
Há sociedades ocidentais que passam por crises. Se algumas podem até estar em decadência, não são todas e, no conjunto, ela não é “absoluta”.
Desde que há Ocidente, há quem o veja como decadente. Essa ideia se popularizou a partir de 1918, quando o pensador alemão Oswald Spengler escreveu o seu “A decadência do Ocidente”. Simplificando, ele previa a ascensão ao poder de partidos cesaristas. O doutor morreu em 1936, quando havia césares na Alemanha, na Itália e na União Soviética. Nove anos depois, viu-se no que deu. Nenhum dos partidos que produziram os césares de Spengler existe hoje.
Há no PT quem concorde com Dilma e Lula, e os dois podem dizer que governaram o Brasil por 13 anos sem agredir nem mesmo ameaçar as instituições democráticas. O declínio do PT foi influenciado pelos episódios em que se lambuzou. Com poucas exceções, sua ala radical passou pessoalmente incólume pelas lambanças. Isso lhe proporcionou uma autoridade moral nas discussões internas, mas não resultou numa linha que permita ao PT entrar numa campanha eleitoral com um pé num salto Sabrina e outro num Stiletto.
A Casa Stefan Zweig publicou o “Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil”, coordenado pelo historiador Israel Beloch. Estima-se que entre os anos 20 do século passado e o fim da Segunda Guerra, em 1945, tenham chegado a Pindorama cerca de 15 mil pessoas. Muitos, judeus como Zweig, deixaram a Europa fugindo do nazismo. O dicionário selecionou 500 personagens, contando suas vidas antes e depois da viagem.
Nas dobras do livro estão histórias de uma época em que se cruzaram a realidade de uma Europa desgraçada e a de um Brasil promissor.
Esses refugiados sacudiram as instituições científicas e a cultura do país. No mesmo navio que trouxe Stefan Zweig numa de suas viagens ao Brasil, veio o professor Friedrich Brieger, que aclimatou sementes de hortaliças europeias e se tornou um patriarca da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, de Piracicaba. O radiologista Carl Simon Fried esteve no campo de Buchenwald antes da guerra e chegou em 1940. Tinha fama, mas seu diploma de médico não foi reconhecido no Brasil (alô, alô, Revalida). Felizmente, a Universidade de São Paulo levou-o para dirigir seu Instituto de Radiologia São Francisco de Assis. Outros refugiados colaboraram no milagre da criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Criaram também livrarias como a Cultura, em São Paulo, e a Kosmos, no Rio.
Aqui e ali aparece a informação de que o refugiado foi para Rolândia. Essa é a história da vinda para o Brasil, em 1933, de Erich Koch-Weser com sua turma. Ele havia sido deputado, ministro do Interior e vice-chanceler da Alemanha. Por sua ascendência judaica, viu-se impedido de advogar. Armando um complexo esquema legal, Koch-Weser conseguiu sair da Alemanha em 1933, com algumas famílias. Estabeleceram-se num projeto de colonização em Rolândia, no norte do Paraná. Era mato puro. Por lá, passou o refugiado austríaco Otto Maria Carpeaux, que se tornaria um renomado jornalista. Anos depois, veio Rudolf Isay, que virou cafeicultor e patenteou um catador para o grão.
Caio Koch Weser, neto de Erich, voltou para a Alemanha em 1951 e chegou à vice-presidência do Banco Mundial. Em 2000, por pouco não foi para a direção do Fundo Monetário Internacional. Teve a oposição dos Estados Unidos e o voto contrário do Brasil. Seu tio Dieter também deixou Rolândia e veio a ser diretor da Escola de Medicina Pública de Harvard.
O “Dicionário dos refugiados” implora por uma versão eletrônica.
Sergio Moro largou com vontade. Levou o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz para o Podemos, está formando equipes e lançou pontes na direção de bolsonaristas arrependidos.
Se nos próximos meses Moro encostar ou ultrapassar Bolsonaro nas pesquisas, provocará uma migração para seu ninho. Ela terá tudo para virar debandada.
Em um ano, o Instituto Reditus, fundo patrimonial de ex-alunos da Federal do Rio de Janeiro, arrecadou R$ 10 milhões para financiar projetos de estudantes. Tornou-se assim o fundo filantrópico que mais cresce no país. Em setembro, duas turmas da escola de engenharia doaram R$ 1,4 milhão.
Os empresários Geraldo Thomaz e Adriano Gomide, da empresa de tecnologia VTEX, e a consultoria Visagio, onde está o ex-aluno Sidney Levy, doaram R$ 1 milhão cada um.
Todos estudaram sem pagar um tostão e estão devolvendo o que a Viúva lhes deu. Por isso, em latim, o fundo significa retribuição.
Para quem acha que a decadência dos Estados Unidos é absoluta, Jeff (Amazon) Bezos acaba de doar US$ 166 milhões para o hospital de saúde comunitária da universidade de Nova York, cujo complexo hospitalar leva hoje o nome do bilionário Ken Langone, que pingou US$ 100 milhões na instituição.
Ao que tudo indica, o Senado votará nesta semana a indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal. Se passar, passou. Se não passar, Bolsonaro ganhará um dever de casa. Ou combina com os russos a aprovação do novo escolhido, ou a indicação poderá dormir no Senado até o início do novo mandato presidencial, em 2023.
Será uma coisa meio girafa.