Postado às 06h28 | 03 Out 2021
Elio Gaspari
Prezado doutor Jatene,
Escrevo-lhe por sugestão de meu médico, o conde de Motta Maia, do nosso velho amigo Louis Pasteur e de seu pai, o doutor Adib.
Na noite de 17 de novembro de 1889, quando uns militares me embarcaram como negro fugido, mandando-me para a morte no exílio, eu lhes disse: "Os senhores são uns doidos".
Passou-se o tempo e vejo que de tempos em tempos nossa terra fica nas mãos de doidos. Em março do ano passado, Vosmicê disse que 45 mil moradores de São Paulo seriam atingidos pela epidemia desse novo vírus. Foi um Deus nos acuda, como se o senhor fosse mais um doido. Na semana passada, os infectados da sua cidade passaram de 1,5 milhão. Os mortos foram 30 mil.
O doutor Pasteur horrorizou-se com os charlatães que empurravam cloroquina nos pacientes e pediu-me que Vosmicê lembrasse aos seus colegas e a esse moço que governa o Brasil o que lhe aconteceu, lidando comigo, em 1884.
Ele pesquisava uma vacina contra a raiva. Aplicando-a em cães, havia dado resultado, mas era preciso testá-la em gente. Foi quando me escreveu, oferecendo-se para testá-la no Brasil. Pedia que eu a oferecesse a presos condenados à morte. No dia da execução, tomariam a vacina. Se morressem, ficaria tudo igual. Se sobrevivessem, estariam livres. Eu lhe disse que no Brasil não aplicávamos mais a pena de morte, pois eu a comutava.
(Como bom dissimulador, estava desconversando, reconheço.)
Os doidos daí testaram a tal cloroquina sem informar aos pacientes e o moço do governo fez propaganda do remédio até em reuniões de chefes de Estado.
Mesmo entristecido, sinto-me vingado: Os senhores são uns doidos.
Atenciosamente,
Pedro de Alcântara.
Passados 60 anos, veio à tona o relatório do embaixador João Augusto de Araújo Castro, narrando a visita de João Goulart à China, em agosto de 1961. O texto é de 4 de setembro, quando a crise provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros já havia esfriado, com a solução do parlamentarismo que permitiria a posse de Jango.
Em 30 páginas, Araújo Castro conta a passagem da comitiva do então vice-presidente por Moscou e Pequim. No dia 25 de agosto, quando Jango já estava em Singapura, Jânio renunciou. Mais tarde, Araújo Castro viria a ser o último chanceler de Goulart e morreria em 1975, como embaixador do governo do general Médici em Washington.
O relatório de Araújo Castro mostra como os chineses tentaram forçar a transformação de um acordo interbancário num sinal de reconhecimento do governo de Pequim, com o qual o Brasil não tinha relações diplomáticas. Jango e Castro habilmente contornaram a manobra e acabou tudo bem.
Antes de chegar a Pequim, a comitiva de Goulart passou por Moscou, onde Jango se encontrou com o primeiro-ministro Nikita Khruschov e ouviu o seguinte: "Eu disse a Kennedy [o presidente dos Estados Unidos]: Fidel Castro não é comunista, mas acabará sendo. Ele não tem alternativa".
Khruschov tinha um viés fanfarrão, mas sabia do que estava falando.
Naqueles dias os Estados Unidos já haviam rompido relações com Cuba e a Casa Branca havia patrocinado uma fracassada invasão da ilha.
No dia em que Araújo Castro assinou seu relatório, Fidel mandou uma carta a Khruschov pedindo 388 mísseis de curto alcance. Era o início de uma negociação que evoluiu para a entrega de ogivas nucleares capazes de atingir os Estados Unidos e, um ano depois, levou o mundo para a beira da Terceira Guerra Mundial.
Na quinta-feira (7), deverá comparecer à CPI da Covid o doutor Paulo Roberto Vanderlei Rebello Filho, diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde (ANS). Ele deverá contar o que fez diante das denúncias do comportamento da Prevent durante a pandemia.
A primeira suspeita de que havia fogo debaixo daquela fumaça veio do próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em abril de 2020, quando ela tinha no acervo 58% dos mortos de São Paulo. O dono da operadora chamou-o de "irresponsável" e, pelo que se viu, colocou sua empresa debaixo da asa do Planalto, maquiando mortes, empurrando cloroquina e ameaçando médicos com retórica de miliciano.
O que a ANS fez? A auto satanização da Prevent tem no seu bojo uma competição empresarial e a agência a conhece muito bem. Nesse mercado há de tudo: portas giratórias, capilés e jabutis em medidas provisórias. A Justiça guarda pelo menos duas delações premiadas de uma empresa corretora de planos que concordou em pagar R$ 200 milhões de multa.
Durante os dias da Lava Jato, chegou-se a especular que os procuradores voltariam seus olhos para a privataria da saúde. Quando apareceu a lista de operadoras de planos entre os patrocinadores das palestras de um deles, viu-se que rendiam pelo menos "R$ 10 mil, limpos". A Lava Jato olhou para outros lados.
A Prevent é um caso em si e seus maganos estão sofrendo pelo que fizeram, mas a ANS sabe muitos mais. Basta lembrar que foi ela quem obrigou as operadoras de planos a cobrirem os custos dos testes para o vírus.
Até a terceira semana de março do ano passado, havia operadoras se recusando. Até agosto, quando os mortos passavam de 90 mil, alguns planos continuavam negando cobertura aos testes sorológicos. Só a ação da ANS levou-os a mudar de conduta.
A Universidade de Campinas cassou o título de doutor honoris causa que concedeu em 1973 ao então ministro da Educação, Jarbas Passarinho.
Coronel da reserva, Passarinho morreu em 2016. Ele mandou às favas os seus escrúpulos de consciência quando defendeu a edição do AI-5, em 1968. É direito de qualquer universidade conceder e mesmo cassar títulos de doutorado honoris causa, mas fazê-lo depois da morte do homenageado é coisa meio girafa. A Federal do Rio de Janeiro cassou o título do presidente Emílio Médici em 2015, 30 anos depois de sua morte.
Seria o jogo jogado se as congregações das universidades divulgassem, junto com a cassação da honraria, quase sempre bajuladora, a lista dos professores doutores que a concederam. Afinal, nem Médici nem Passarinho pediram coisa alguma.
Jair Bolsonaro assumiu sabendo que não tinha base parlamentar além do cacife da Bolsa da Viúva. Fala em "bancadas temáticas", uma espécie de cloroquina política.
Aninhando-se no centrão, conseguiu a proeza de ver derrubados 12 de seus vetos num só dia.
O centrão sentiu cheiro de queimado.
O repórter Lauro Jardim informa que Lula combinou um jantar para quarta-feira (6). Nele poderão estar, além do ex-presidente José Sarney:
Eunício de Oliveira, dono da casa, foi ministro das Comunicações de Lula.
Edison Lobão foi ministro de Minas e Energia de Lula e de Dilma Rousseff.
Jader Barbalho foi ministro da Previdência de Sarney.
Renan Calheiros foi ministro da Justiça de FHC.