Postado às 10h53 | 20 Mar 2022
Elia Gaspari
Passaram-se 80 anos entre 1942, quando o garoto Disnei Zanolini chegou ao cirurgião Euriclides de Jesus Zerbini com um estilhaço numa parede do coração, até a quinta-feira da semana passada, quando foi operado o coração de uma menina de 1 ano e 2 meses de Embu das Artes, no Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi a 95ª cirurgia em uma criança, num total de 845, só neste ano. Ali, a medicina pública brasileira escreve uma de suas melhores e mais ilustrativas histórias.
Numa época em que a pandemia mostrou as virtudes do Sistema Único de Saúde (SUS) e a desordem das cabeças coroadas de Brasília, o Incor comprova: são os hospitais públicos e as faculdades de medicina que garantem a saúde nacional. Quebrada essa aliança, o sistema desanda. Assim desandou a medicina do Rio de Janeiro a partir dos anos 70.
O Incor nasceu pelas mãos de três gigantes: Zerbini, Luiz Décourt e Adib Jatene. Do nada, na USP, eles criaram o Instituto do Coração. Neste ano, o Incor foi considerado o 24º melhor do mundo pela revista americana “Newsweek” e pela Statista, empresa alemã de pesquisas de consumo que ouviu 40 mil profissionais de saúde em mais de 20 países. Considerados apenas os hospitais públicos, nessa listagem seria o melhor do mundo.
Nem tudo foram flores para o Incor. Em 1978, ele gerou a Fundação Zerbini, capaz de firmar convênios, recolher doações e de reforçar os salários dos servidores. Pela eficiência, virou o hospital das celebridades (Tancredo Neves morreu lá, no apogeu da fase de exibicionismo da instituição). O ego da fundação inflou-se e ela ficou a um passo da falência. O andar de cima havia lesado o coração do Incor.
Em 2011, o cardiologista Roberto Kalil Filho assumiu a presidência do Incor com os bens da Fundação bloqueados. Aos poucos, Kalil e sua equipe desobstruíram as coronárias da instituição. Em 2018, suas contas estavam em ordem. Hoje, os recursos do governo de São Paulo cobrem 50% de seus custos. O SUS fica com 25%, e convênios, bem como doações (poucas, porém heroicas) entram com 25%. De cada dez pacientes, oito vêm da rede pública. A cada dia passam pelos três prédios do Incor cerca de 3.500 pessoas, atendidas por 3.700 funcionários, 520 dos quais, médicos. Lá acontecem a cada ano 22 mil consultas, 12 mil internações e cinco mil cirurgias.
A ligação do Incor com o Hospital das Clínicas da USP fez dele um verdadeiro centro de ensino e pesquisa. Em 45 anos, formou cinco mil alunos da graduação à pós-graduação. A cada ano passam pelo Incor mil alunos em várias atividades.
A medicina privada brasileira é boa e faz muito, mas a saúde de Pindorama depende mesmo é da pública. Quando uma universidade entra nesse circuito, chega-se ao Incor e à medicina de São Paulo.
Serviço: O Incor aceita doações. Se for atendido, amplia seu centro cirúrgico.
A colaboração premiada da Ecovias feita em 2020 por seu ex-presidente Marcelino Rafart de Seras é bem-vinda em princípio, mas tomou um nefasto viés eleitoral que arrisca deixar a pé as principais vítimas da maracutaia: os motoristas que pagam os pedágios mais caros do país.
Pelo que se sabe, a empresa contou que aspergia propinas para políticos e topou ressarcir a Viúva, mas falta o essencial. Como funcionava o mecanismo que reunia 80 empresas? Como se enfiaram aditivos e prorrogações dos contratos? Como se viciaram licitações? Até agora, o peixe mais gordo mencionado na rede foi o ex-governador Geraldo Alckmin, sem que se conheçam as provas e sem que ele conheça as denúncias. A acusação foi arquivada nas esferas criminal e eleitoral.
As mutretas de cartéis e de propinas no setor de transportes dos governos de São Paulo são coisa velha, e o então governador Geraldo Alckmin sempre defendeu uma “apuração rigorosa” que foi a lugar nenhum. Em agosto de 2013, numa ação desastrosa, ele anunciou que processaria a fornecedora de equipamentos alemã Siemens porque ela era “ré confessa”. De fato, a Siemens confessara malfeitos e havia demitido seu diretor no Brasil. Isso era consequência de uma memorável faxina internacional promovida pela matriz alemã. Em vez de puxar o fio da meada, pisava-se nele.
Interessa saber os nomes dos políticos que mamavam nas concessionárias, mas interessa saber também, quais gatilhos elas enfiavam nos contratos para cobrar caro por mais tempo. Até as pedras sabem que as prorrogações das licenças são moeda de troca nessas negociações. Por exemplo: uma empresa ganha a concessão de uma estrada que precisa construir alças de acesso em diversos pontos do trajeto. Elas não entram no contrato e quando surge o pleito, a concessionária faz as obras recebendo em troca uma prorrogação da concessão.
O que há de trágico na privatização das estradas paulistas é que elas melhoraram a vida dos motoristas. Os pedágios são caros, poderiam custar menos, mas o sistema é eficiente. A corrupção incrustada na privataria é coisa de cleptomaníacos, gente que rouba até para fazer o certo.
Nesse mundo, as propinas para políticos são detalhes de uma grande mágica. A exposição dos políticos metidos com propinas serve de biombo espetacular que protege empresas ineficientes, incapazes de fazer aquilo a que se propõem sem roubalheiras pelo caminho.
A colaboração da Ecovias veio à tona num ano eleitoral. Contaminada por esse veneno arrisca produzir mais fumaça do que fogo. Os promotores que cuidam desse caso são veteranos e sabem que a Operação Lava-Jato, com seus excessos, caiu nessa armadilha. Pegou larápios, fabricou santos de pau oco e tudo continua como dantes no quartel de Abrantes, senão pior.
No artigo de quarta-feira, o signatário atribuiu ao senador romano Catilina a reclamação de que se abusava da paciência alheia. Errado, por dois motivos: não foi Catilina quem disse isso, mas Cícero. Catilina era o alvo dos quatro discursos que entraram para a História com o nome de Catilinárias.
A famosa frase de Cícero é a seguinte:
“Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?”
A decisão de Alexandre de Moraes cancelando a plataforma Telegram era pedra cantada, e é um aperitivo sinalizador da sua disposição no Tribunal Superior Eleitoral durante a campanha eleitoral vindoura.
No governo Bolsonaro, entra-se em clima de festa. Sai-se aos pedaços.
Assim aconteceu a Gustavo Bebianno, a Sergio Moro e ao general da reserva Fernando Azevedo e Silva e poderá acontecer a seu colega Joaquim Silva e Luna, atual presidente da Petrobras.