Postado às 08h30 | 04 Jun 2023
Elio Gaspari
A encrenca com o Congresso é velha e prosseguirá
Churrascos, verbas ou mesmo troca de ministros não resolverão as dificuldades do governo com o Congresso. Lula foi eleito com a escassa vantagem de 1,8 ponto percentual e tem uma base parlamentar instável, mas acredita que pode resolver problemas do atacado com soluções do varejo. O Congresso tem uma maioria conservadora pressionada por uma minoria radical, até troglodita. O presidente, contudo, vocaliza uma agenda que o afasta de um equilíbrio.
Um exemplo:
Durante a campanha eleitoral ele disse que "o agronegócio, sabe, que é fascista e direitista. [...] Porque os empresários que têm um comércio com o exterior, que exportam para a Europa, para a China, não querem desmatar". Coisas da campanha.
Em maio, quando o ministro da Agricultura foi desconvidado para a abertura da Agrishow de Ribeirão Preto, voltou a crer na ação de "fascistas". Isso levando o líder do MST na sua comitiva para a China.
Há grandes empresários do agro que o apoiaram. Essa retórica pode agradar a ilustrados das cidades, mas, para os empresários do campo, torna-se um fator de isolamento. Quando um parlamentar ligado aos agricultores reivindica uma verba, ele pode até vir a votar com o governo na terça-feira, mas na quinta atende de novo sua base.
As arcas da Viúva não têm dinheiro suficiente para garantir uma base parlamentar alimentada pelo varejo. Num tempo bem mais confortável, o governo de Lula tentou isso com o mensalão e deu no que deu.
Também não se vai a lugar algum dizendo que o problema é de coordenação. Trocando-se o ministro Alexandre Padilha pelo ilusionista Issao Imamura, o problema continuará do mesmo tamanho.
Coordenar o quê?
Quando o presidente ucraniano Volodimir Zelenski disse à repórter Patrícia Campos Mello que "Lula quer ser original e nós devemos dar essa oportunidade a ele", havia veneno na ponta da ironia.
Noves fora suas posições em relação à Ucrânia e ao governo da Venezuela, em apenas cinco meses, Lula já propôs ao mundo as seguintes mudanças:
A criação de uma governança mundial para a questão ambiental.
A criação de uma moeda comum para a América do Sul.
Insistiu numa reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, criando assentos permanentes para a África, mais a América do Sul e o Caribe.
Natasha vota em Lula sempre que ele se candidata e emudece a televisão sempre que ele começa a falar.
Lendo os jornais, viu que ele incorporou a palavra "narrativa" à sua retórica. Usou-a para mimosear o presidente venezuelano Nicolás Maduro. Para Lula, as malfeitorias do regime chavista compõem uma narrativa de adversários. A senhora viu que Lula tomou um contravapor vindo dos presidentes do Uruguai, de um lado, e do Chile, de outro, mas seu cuidado restringe-se ao uso do idioma.
Tudo o que é contado é narrado. Se um sujeito diz que viu um disco voador na esquina, está fazendo uma narrativa. Na narrativa de Jair Bolsonaro, o vírus da Covid podia ser chinês e a vacina poderia ser prejudicial à saúde. Ainda assim, Bolsonaro teve 58 milhões de votos, contra 60 milhões dados a Lula.
Pela narrativa alemã, no dia 30 de agosto de 1939, tropas polonesas tomaram uma rádio alemã da fronteira. A Polônia havia invadido a Alemanha. Essa narrativa foi contada por Hitler e repetida em Moscou pelo jornal Pravda. Em Roma, o Papa Pio 12 evitou abençoar a Polônia
Nos dias seguintes, começou a Segunda Guerra. O Duque de Westminster, um dos homens mais ricos da Inglaterra, culpava os judeus.
Tudo narrativa.
Ao assumir a Presidência, Lula disse que acabaria com a "vergonhosa fila do INSS". Nela há mais de 1 milhão de pessoas esperando perícias médicas para receber benefícios. Desde o dia em que ele anunciou esse desejo, a fila cresceu 13%, com cerca de 500 mil pessoas.
Em fevereiro, o ministro Carlos Lupi, da Previdência, anunciou um mutirão capaz de fazer com que, ao final do ano, todos os pedidos fossem analisados em até 45 dias.
A primeira metade do ano está terminando e Lupi informa que a promessa só poderá ser cumprida se lhe derem mais recursos.
Em janeiro, o governo reiterou a promessa de campanha de Lula, para permitir a renegociação a milhões de pessoas penduradas no Serasa por dívidas de até R$ 2.600. O programa ganhou até um nome bonito: Desenrola.
Em março, Lula disse que "outra coisa importante que está para ser anunciada é o Desenrola. Está pronto, acho que na semana que vem nós vamos poder anunciar".
Em abril, sem ter anunciado coisa alguma, Lula retomou o tema, em tom de cobrança:
"Eu lembro que dizia na campanha que, se a gente não fizer, dá a impressão de que a gente está enrolando o povo. Como o programa chama Desenrola, Haddad, eu queria que você, a sua equipe, fizesse uma conversa na Casa Civil, preparasse esse programa para a gente lançar. Por mais dificuldade que a gente possa ter, tem que ter um começo. E nós precisamos lançar esse programa para ver se a gente termina com a dívida que envolve quase 60 milhões de pessoas que estão se endividando no cartão de crédito para comprar o que comer. Não tem sentido. vamos desenrolar, pelo amor de Deus. Vamos desenrolar aí".
O Desenrola continua patinando.
É muito provável que Cristiano Zanin seja aprovado pelo Senado e assuma uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. Desde que sua escolha se tornou pública, ele está debaixo de chumbo.
Pode-se estranhar que Lula tenha escolhido o advogado que, com êxito, defendeu-o no processo da Lava Jato, mas ele não foi seu advogado em outros litígios.
O advogado particular do presidente mandado para a Suprema Corte foi Abe Fortas, indicado em 1965 por Lyndon Johnson.
Em 1969, ele foi obrigado a renunciar porque remunerou-se por palestras numa universidade que havia recebido dinheiro de uma empresa que tinha processos no tribunal.
Se esse rigor vigorasse no Brasil, surgiriam vagas em todos os tribunais, de todas as instâncias.
Celebrado por sua discrição, o executivo Miguel Gutierrez comandou a rede varejista Americanas. Ele evitava entrevistas, fotografias e não gostava de emails.
Havia mais. No prédio da empresa, no Rio, ele tinha um gabinete no terceiro andar e uma sala pessoal no segundo. Ela media 15 metros quadrados, tinha apenas uma mesa e cadeiras. Suas janelas eram as únicas protegidas por vidros duplos. Ao contrário de outras salas, envidraçadas, as persianas dessa sala ficavam sempre fechadas.
Há duas semanas, um grupo de empresários se reuniu na casa do senador Rodrigo Pacheco, em Brasília, com o ministro Fernando Haddad e com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Quem ouviu a conversa saiu com a impressão de que a taxa de juros cairá, mesmo que caia pouco.