Postado às 05h20 | 21 Nov 2021
Elio Gaspari
Depois que Bolsonaro foi aos emirados árabes para andar de motocicleta enquanto Lula era recebido como um chefe de Estado na Europa, um pesadelo diplomático assombra o Planalto. É a possibilidade de ele ir aos Estados Unidos no ano que vem.
Se Lula se encontrar com metade das vítimas das caneladas do bolsonarismo, repetirá o êxito do périplo europeu.
Se o general da reserva Hamilton Mourão for um homem caridoso e tiver uma brecha na agenda, bem que poderia ir a Washington para almoçar com sua colega Kamala Harris.
Poderia explicar-lhe o que deve fazer para continuar viva numa Casa Branca habitada por um presidente cercado por fofoqueiros que não têm o que fazer e, se tivessem, seriam incapazes de enfiar um prego numa barra de sabão.
O capitão mandou pendurar um painel de 10 metros por 2,5 metros no saguão do Palácio do Planalto. Chama-se "Brasil acima de tudo" e faz seu gosto.
Bolsonaro também quer privatizar a Petrobras. É seu direito defender a ideia, tomando as providências que a lei determina. Não é seu direito, contudo, tratar o prédio onde trabalha como propriedade privada. Se o Instituto do Patrimônio Histórico não serve para proteger a arte do palácio presidencial, seria melhor fechá-lo.
Os palácios brasileiros passaram a ser tratados como propriedade privada há pouco tempo. Getúlio Vargas pouco mexeu no Catete ou no Laranjeiras. No Alvorada de JK, a sala de jantar era iluminada por lâmpadas fluorescentes que arruinavam a maquiagem das senhoras. No governo de FHC colocou-se uma grande escultura de madeira no jardim do Alvorada. Com a chegada de Lula, a peça foi retirada e acabou num galpão. No lugar entrou um canteiro de flores vermelhas com a forma da estrela do PT. No Planalto, Nosso Guia instalou um pequeno museu com peças de sua vida. Lula se foi, e com ele a estrela de flores e o museu.
O presidente americano Ronald Reagan comparou o palácio da "Alvarado" ao QG de uma companhia de seguros. Bolsonaro já havia exposto no saguão do Planalto, onde pôs o painel, as roupas que ele e sua mulher Michelle usaram no dia da posse. Elas continuam lá, afastadas.
Essas manifestações de falso gosto histórico ou artístico são bregas e constrangedoras. Os museus brasileiros conservam peças que poderiam ser emprestadas ao Planalto. Aquelas paredes não são molduras de painéis de propaganda política.
Seja qual for o resultado da prévia tucana, o governador gaúcho Eduardo Leite deixou sua marca no debate presidencial. Anunciou que é contra a reeleição de presidentes, governadores e prefeitos. Tem autoridade para isso porque não disputou a reeleição em Pelotas, foi para o sereno e dois anos depois elegeu-se governador do Rio Grande do Sul.
Lula foi contra a reeleição, até que chegou sua hora. Bolsonaro também prometeu não disputá-la.
Todos os males da vida nacional, do descontrole dos gastos ao toma-lá-dá-cá, têm raízes estruturais e são ossos duros de roer. Só a reeleição pode ser cancelada com uma desambição exemplar e um ato parlamentar.
Desde que chegou ao Supremo Tribunal Federal, o ministro Kassio Nunes Marques tem sido visto como uma figura silenciosa e dissidente, com jeito de penetra. Ele se tornou um discreto articulador nas escolhas do Planalto para o preenchimento de vagas no Judiciário.
Nisso ele é um mestre, tanto que chegou à corte como um verdadeiro azarão.
Saiu o primeiro dos dois volumes da biografia de Lula, escrita pelo jornalista Fernando Morais. Perto da metade de suas 468 páginas ocupam-se com minuciosas descrições de suas prisões, a de 2018, como ex-presidente, e a de 1980, como líder sindical.
É o livro de um biógrafo que gosta do seu personagem, circunstância que o enriquece. Em um parágrafo ele conta a partida de Dona Lindu, em 1952, com seis crianças na caçamba de um caminhão do interior de Pernambuco a Santos. Lula tinha sete anos. Essa viagem de 13 dias teve algo de épico, sem conforto, com quase nenhuma comida e já foi contada muitas vezes. Dona Lindu e seus filhos estão imortalizados no Recife, num monumento aos retirantes nordestinos da época. Plantado num parque que leva o nome da matriarca, foi projetado por Oscar Niemeyer.
A história tem suas trapaças. Faltam no monumento aos retirantes, e em quase todas as descrições da viagem, Dorico, irmão de Lindu, a mulher Laura e mais suas duas crianças. Eles também vieram no pau de arara. Quando chegaram a Santos, foi Dorico quem chamou o táxi que os levou ao endereço de Aristides, o pai de Lula. Trabalhando como estivador, vivia com Mocinha, a prima de Lindu, com quem viera de Pernambuco. Isso foi revelado há anos pela jornalista Denise Paraná em seu excepcional "Lula, o Filho do Brasil".
Morais fez duas referências nominais a Dorico, ambas mostrando que, anos depois, Dona Lindu e seus filhos moraram num quarto nos fundos de seu bar, em São Paulo.
A ausência de Dorico e sua família no monumento do Recife e nessa parte da história do garoto Luiz Inácio é um aspecto da vida dos retirantes dos anos 1950. É a presença do ausente, aquele migrante que acaba engolido pela História, mesmo que seu sobrinho tenha sido presidente da República por dois mandatos.
Se o monumento a Dona Lindu, do escultor Abelardo da Hora, é uma homenagem ao andar de baixo, o Touro de Ouro que papeleiros puseram diante da Bolsa de Valores é um monumento à falta de imaginação do andar de cima de Pindorama. É um eco da escultura semelhante colocada em frente à Bolsa de Wall Street.
Madame Natasha lembra que no Brasil, e em português, touros nada têm a ver com Bolsas. Em Wall Street o touro, "bull" em inglês, designa um mercado que o bicho joga para cima com seus chifres. Já um mercado em queda é chamado de "bear" (urso) porque empurra suas presas para baixo.
O touro de Wall Street é de bronze, com a cor do metal. O touro paulista é de fibra de vidro, pintada de dourado. De ouro era Baal, a divindade pagã que Moisés destruiu quando desceu do Monte Sinai.
Enquanto o Touro de Ouro foi para a frente da Bolsa, o urso dava o ar de sua graça e os papéis caíram abaixo da marca de novembro do ano passado.
O economista Affonso Celso Pastore, que está no círculo de colaboradores de Sergio Moro, sabe economia e passou pela presidência do Banco Central (1983-1985) com biografia imaculada. É também uma pessoa de sorte.
Em 1982, quando participava de uma reunião do FMI em Toronto, saiu para almoçar e pediu ostras. Mordeu uma coisa dura e achou que tinha quebrado um dente.
Era uma pérola.
As coisas podem dar certo. O Banco Central comemorou discretamente um ano de funcionamento do aplicativo Pix.
Sem marquetagens, mentiras ou pixulecos, ele já atendeu 104 milhões de pessoas, movimentando R$ 4 trilhões.
Teve falhas e foram corrigidas, pode melhorar e o BC está trabalhando nisso.