Postado às 07h19 | 26 Mar 2023
Elio Gaspari
Com 187 mil carros nos pátios e grandes montadoras dando férias coletivas a milhares de trabalhadores, Lula deu uma entrevista de quase duas horas aos jornalistas Helena Chagas, Tereza Cruvinel, Luís Costa Pinto e Leonardo Attuch. Repetiu várias vezes que "este país vai voltar a crescer".
Quando surgiu o assunto da virtual paralisação da indústria automobilística, disse "fiquei surpreso", reclamou das empresas que importam veículos e, tratando do mundo real, prometeu: "Eu quero chamar a indústria automobilística para conversar, ‘O que é que está acontecendo com vocês?’"
Ex-metalúrgico e sindicalista, Lula sabe o que está acontecendo: falta demanda. Foram poucos os minutos dedicados a esse assunto específico. Mais tempo foi dedicado às suas experiências com a Lava Jato e a uma batalha inglória com o Banco Central por causa da taxa de juros.
Por mais de uma hora Lula prometeu um Brasil que volte a sorrir. Como? Acreditando em Lula, como ele acredita. Chegando à marca dos cem dias de governo, ele tem um pé no passado e outro no futuro. Quanto ao presente, surpreendeu-se com as férias coletivas. Enquanto isso, seu chefe da Casa Civil dava um chá de cadeira de 45 minutos ao ministro da Fazenda.
A falta de demanda e o início de uma crise no crédito ameaçam a saúde de grandes varejistas. Quando o problema aparecer, Lula não deverá dizer que foi surpreendido.
Na mesma entrevista, Lula voltou a culpar o governo americano pela operação Lava Jato. Seria coisa para destruir as empreiteiras nacionais.
Ele retomou um bordão de 2021, quando acabava de deixar a prisão. À época, elaborou a ideia:
"É por isso que teve o golpe contra a Dilma, porque é preciso não ter petróleo aqui no Brasil na mão dos brasileiros. É preciso que esteja na mão dos americanos porque eles têm que ter o estoque para a guerra. Depois da Segunda Guerra Mundial, eles aprenderam que só ganha guerra quem tem muito estoque de combustível, porque eles sabem que a Alemanha perdeu a guerra porque não chegou em Baku, na Rússia, para ter acesso a gasolina."
Ganha um fim de semana num garimpo ilegal quem formular dois parágrafos com tantos enganos. A Alemanha não chegou aos campos de Baku porque foi detida em Stalingrado no início de 1943. A essa altura, o Reich já havia sido barrado às portas de Moscou, e os Estados Unidos já tinham quebrado a perna do Japão na batalha naval do Midway, em junho de 1942.
Se os alemães chegassem a Baku, ainda assim teriam perdido a guerra.
Se Deus é brasileiro, quando Lula for à China ele o livrará a urucubaca que acompanha as relações com o Império do Meio.
Em 2004, antes da chegada de Lula à China, saiu do governo a notícia de que o Brasil assinaria um acordo de cooperação nuclear. Os chineses se assustaram.
Meses depois, o presidente Hu Jintao foi a Brasília, e o intérprete contratado pelo Itamaraty o traduziu-o, dizendo que ele prometia US$ 100 bilhões em investimentos na América Latina. Ele havia falado em fluxo comercial.
Em 2011, Dilma Rousseff foi a Beijing, e sua comitiva anunciou que uma empresa chinesa viria para o Brasil com um investimento de US$ 2 bilhões para fabricar produtos da Apple. Era lorota.
Em 2015, o primeiro-ministro Li Keqiang foi a Brasília, e o governo espalhou que ele entregaria um pacote de US$ 53 bilhões em investimentos. Nele, entraria o projeto de uma ferrovia do Atlântico ao Pacífico. Lorota, de novo.
Bolsonaro disse que voltará ao Brasil nesta semana. Descobrirá que ficou menor.
Para que ele tenha mais espaço, será preciso que Lula o mantenha na sua agenda.
Eremildo acreditava em tudo o que Bolsonaro dizia e agora acredita em Lula.
O cretino se confundiu quando Lula falou sobre a operação da Polícia Federal que desarmou um plano de sequestro do senador Sergio Moro e de seus familiares. Ele disse o seguinte:
"Quero ser cauteloso. Vou descobrir o que aconteceu. É visível que é uma armação do Moro."
Se uma pessoa acha que uma coisa é visível, não precisa ser cautelosa, porque, nesse caso, já descobriu o que aconteceu.