Postado às 06h51 | 08 Set 2021
Elio Gaspari
Se Donald Trump tinha um plano para a insurreição de 6 de janeiro, durou cerca de seis horas. Se Bolsonaro tinha o seu plano para o 7 de setembro, durou menos de quatro horas. Às 11h43 ele anunciou a convocação do Conselho da República, sabe-se lá para quê, e lá pelas 15h o Palácio do Planalto informou que a reunião estava esquecida.
No seu discurso matutino Bolsonaro mostrou-se desorientado. Referindo-se ao ministro Luiz Fux, ele disse: “ou o chefe desse Poder enquadra o seu, ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”. A frase não faz sentido. O presidente do Supremo não tem poder para “enquadrar” a corte. (A menos que Bolsonaro esteja fazendo fé na faixa preta de jiu-jitsu de Fux.) Também não tem sentido o “sofrer aquilo que não queremos”. Primeiro porque falta dizer o “queremos”, depois porque falta explicitar o que significa “sofrer”. À tarde, Bolsonaro fulanizou sua carga contra o ministro Alexandre de Moraes: “Ou ele se enquadra ou pede para sair”. Não disse como, nem porquê. Também não explicou o mecanismo legal que poderá livrá-lo de Moraes.
Ao chegar ao Planalto, Bolsonaro não teve na agenda desta quarta na agenda a tal reunião com o Conselho da República, mas lá estarão os Três Setes que assombram o Brasil no seu 199º ano de existência:
o litro da gasolina a R$ 7, com a inflação e os juros arriscando chegar a 7%.
Isso para não se falar nos 14 milhões de desempregados num país que rala em pandemia que já matou mais de 550 mil pessoas. Todos esses problemas exigem que o governo trabalhe. É serviço para formigas, não para cigarras.
Se qualquer dos problemas que estão sobre a mesa de Bolsonaro pudesse ser resolvido tirando-se Moraes ou qualquer outro ministro do Supremo, eles certamente mandariam as togas para o Planalto. Contudo, no seu discurso vespertino Bolsonaro pronunciou a palavra mágica de suas ansiedades: “Inelegibilidade”.
Bolsonaro tem uma só preocupação: continuar na Presidência. Teme perder a eleição e por isso continua satanizando as urnas eletrônicas. Sabe que corre o risco de ser declarado inelegível pelo que fez e deixou fazer em suas campanhas e antecipa-se. Declará-lo inelegível em 2022 por malfeitorias de 2018 dará ao processo legal um cheiro desagradável de tapetão.
Nada melhor que chamar os eleitores, computar os votos e empossar o candidato que tiver mais votos.
Até a hora em que Bolsonaro terminou seu segundo discurso, o 7 de setembro de 2021 transcorreu em paz. Ficou apenas uma ameaça de Bolsonaro: ele diz que não cumprirá ordens da Justiça que vierem a desagradá-lo. A ver.
Bolsonaro diz que continuará dentro das quatro linhas da Constituição, mas ameaça sair do quadrado, sem dizer como. Falta pouco mais de um ano para a eleição e novas crises virão.
Os três setes continuarão sobre a mesa do presidente, com suas próprias tensões. A ruas continuarão abrigando gente que acredita em cloroquina, no grafeno, no nióbio e nas fraudes das urnas eletrônicas.
A história oferece um refresco. Os restos mortais de Napoleão chegaram a Paris em 1840, 19 anos depois de sua morte. Naqueles dias, só no manicômio de Bicêtre, havia 14 Napoleões.