Postado às 05h23 | 07 Nov 2021
Elio Gaspari
Eremildo é um idiota e por isso leu três vezes o depoimento de Bolsonaro à Polícia Federal. Lá está escrito o seguinte:
"Ao indicar o delegado Alexandre Ramagem ao ex-ministro Sergio Moro, este teria concordado com o presidente desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal."
A frase telegráfica não permite dizer que Moro ofereceu uma troca. De certa forma, não permite dizer coisa alguma. Tudo ficaria mais claro se Bolsonaro pudesse reproduzir o que ouviu, contando quando a conversa ocorreu. Pelo que o depoimento registra, Eremildo acha que a história não faz sentido.
A conversa mencionada por Bolsonaro teria ocorrido em abril de 2020. O presidente queria para logo a nomeação de Ramagem para a chefia da Polícia Federal, mas a vaga do ministro Celso de Mello só viria em setembro, mais de quatro meses depois.
Sem as imprecisões que o tempo impõe à memória, Eremildo acha que merece crédito a curta troca de mensagens ocorrida naqueles dias entre a deputada Carla Zambelli e o então ministro da Justiça:
"Por favor ministro, aceite o Ramagem, e vá em setembro para o STF. Eu me comprometo a ajudar a fazer JB [Jair Bolsonaro] prometer".
Moro respondeu: "Prezada, não estou à venda".
De uma víbora do centrão experiente, porém suspeita:
O Lula pode estar fingindo que oferece a vice ao Geraldo Alckmin e ele finge que acredita.
O episódio das rachadinhas no gabinete do senador Davi Alcolumbre ajudou a passar a escolha de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal.
Até o fim deste mês, Alcolumbre liberará o nome de Mendonça para ser votado na Comissão de Justiça e, logo depois, ele irá ao plenário. Se a ajuda será suficiente para formar uma maioria, é outra história.
Um magistrado brasileiro recebia a visita de colegas americanos quando surgiu o tema dos precatórios.
Os americanos queriam saber o que era aquilo e o juiz explicou que se tratava de dívidas reconhecidas pelo Judiciário e que não eram pagas. Por delicadeza, mudaram de assunto.
Em outra ocasião, o juiz Antonin Scalia disse que não entendia porque em Pindorama dizia-se que uma lei (da ditadura) era considerada legal, porém ilegítima. "Para mim isso é blá-blá-blá", disse Scalia.
Explicaram-lhe que de acordo com os Atos Institucionais, as medidas praticadas com base neles não podiam ser apreciadas pelo Judiciário.
Perplexo, Scalia abandonou o tema.
Se o ex-juiz Sergio Moro e o agora ex-procurador Deltan Dallagnol disputarem cadeiras no Congresso, terão a surpresa de suas vidas. Na Câmara e no Senado a voz de qualquer parlamentar vale o mesmo que a deles. Nenhum dos dois habituou-se a tamanho desconforto.
Se Moro disputar uma cadeira de senador, não aguenta oito anos de exercício rotineiro do mandato.
O presidente americano Joe Biden conseguiu perder a eleição na Virgínia um ano depois de ter vencido naquele estado com uma vantagem de dez pontos. Pelo andar da carruagem, os republicanos poderão retomar o controle das duas casas do Congresso no ano que vem, ressuscitando o trumpismo.
A falta de rumo dos democratas pode ser ilustrada pelo caso do blogueiro Allan dos Santos. É um episódio menor, paroquial, e também significativo.
Entre o final do governo Trump e outubro passado, foram deportados 56.881 brasileiros que tentavam entrar nos Estados Unidos sem a documentação adequada. É o jogo jogado, não tem os papéis, volta para casa. E Allan dos Santos?
O blogueiro está nos Estados Unidos desde julho do ano passado e, no início de outubro, teve sua prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Seu visto de turista expirou há tempo e Moraes pediu que ele fosse recambiado para o Brasil.
O blogueiro, estrela do bolsonarismo eletrônico, defende-se e quer ficar por lá. Ele sustenta que é jornalista e está sendo perseguido. Há dias, ele voltou ao ar: "Eu não sei se o Alexandre vai conseguir me calar. Mas uma coisa eu tenho certeza, e essa certeza é absoluta: quando vierem me calar estarei falando".
A diplomacia americana pode oferecer abrigo a Allan dos Santos ou pode tratá-lo como trata os estrangeiros sem a documentação adequada. O que não tem sentido é que nada faça. Faz tempo, ela deu asilo a Leonel Brizola em poucos dias e, não faz tempo, a imigração americana embarcou mais um avião de deportados para o Brasil.
Biden está sendo comido pelos dois lados. Pela direita, porque tem uma agenda de centro. Pela esquerda, pelo mesmo motivo. Se isso fosse pouco, dorme durante reuniões chatas.
Durante a campanha eleitoral do ano que vem, o Tribunal Superior Eleitoral pretende entrar no salão com o dedo no gatilho.
Pode-se acreditar que os suspeitos de sempre arriscam ir para a cadeia. Mais que isso: chapas e/ou candidaturas poderão ser embargadas.
Desta vez nenhum processo rolará durante três anos.
A lira da Câmara
Arthur Lira, o presidente da Câmara, não é um personagem simpático e suas ideias são claras como a noite, mas ele reuniu tamanho arsenal que de pouco adianta prever suas derrotas.
É melhor virar a chave: em princípio, ele ganha.
Bolsonaro recebeu sinais de seu mundo para que esfrie o debate em torno de uma eventual venda da Petrobras.
Quando ele quis colocar velhos amigos no governo, as cerejas desses bolos vieram da Petrobras.
A menos que ele encarregue dom Helder Câmara e dom Eugênio Sales para desenhar uma eventual privatização da empresa, o tema fluirá para um só estuário, no qual naufragou o navio do comissariado petista.
Quando Fernando Henrique Cardoso privatizou a Vale do Rio Doce, com um caroço muito menor, o capitão defendeu seu fuzilamento.
A notícia segundo a qual o ex-prefeito Marcelo Crivella poderá disputar uma vaga no Congresso livraria o governo do constrangimento de ter que esquecer sua nomeação para a embaixada na África do Sul.
Indicado em junho, o doutor ficou travado no silêncio do governo de Pretória, que não lhe concedeu o agrément. No início de outubro, Bolsonaro ligou para o presidente Cyril Ramaphosa e pediu sua ajuda.
Até agora, nada.
Dificilmente a iniciativa do capitão partiu de uma sugestão de diplomatas profissionais. Eles sabem que o silêncio de uma chancelaria sugere a retirada do pedido de agrément e telefonemas desse tipo só servem para agravar a questão.
Tendo prometido uma revisão da política de controle das fronteiras e escolhido sua vice Kamala Harris para cuidar da encrenca, Biden não sabe para onde ir e Kamala, com seu imenso sorriso, simplesmente sumiu.