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Elio Gaspari: "Bolsonaro respondeu uma mensagem nas redes e abriu uma ridícula Guerra da Vacina"

Postado às 07h26 | 25 Out 2020

Elio Gaspari

Sabe-se que Jair Bolsonaro dorme mal. No ano passado ele revelou que penava 89 episódios de apneia por hora: “Detenho o recorde brasileiro”. Sabe-se também que instalou uma escrivaninha no espaçoso guarda-roupas do Alvorada e passa o tempo ligado nas redes sociais de sua estima.

Às 5h45 da madrugada de quarta-feira (21) o presidente continuava diante de seu computador quando respondeu a uma mensagem com um grito de guerra: “O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. (...) Diante do exposto, minha decisão é a de não adquirir a vacina”.

Estava aberta uma ridícula Guerra da Vacina. Bolsonaro sabia que o Ministério da Saúde havia oficializado a sua intenção de comprar 46 milhões de doses da Coronavac, que, nas suas palavras, transformou-se na “vacina chinesa do João Doria”. Desde que o vírus chegou ao Brasil, matando mais de 150 mil pessoas, Bolsonaro militou no exercício ilegal da medicina com sua cloroquina, fritou dois ministros da Saúde e, com seu surto matutino, começou a refogar o terceiro. Nos seus gritos de guerra anunciou que a “vacina não será comprada” porque “não abro mão de minha autoridade”. Parolagem. Horas depois, a Agência de Vigilância Sanitária (detentora da autoridade) informou que, como acontece com qualquer medicamento, autorizará a compra do fármaco que cumpra os requisitos científicos.

No rescaldo do surto, 11 palavras do general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz explicam a barulheira: “Falta de capacidade e organização interna” e “um nível de mediocridade extrema”.

Santos Cruz foi um dos três ases militares levados para o governo pelo capitão Bolsonaro. Os outros dois foram Hamilton Mourão e Augusto Heleno. Ele era o único a não ter se envolvido em episódios de indisciplina. Durou seis meses, dois dos quais em processo de fritura. Desde que saiu do governo Santos Cruz tem sido um crítico raro porém pontual. Se quisesse, teria sido candidato à Prefeitura do Rio, mas afastou-se do cálice.

Quem entende o mundo dos generais garante que Santos Cruz é ouvido.

AMY E KASSIO

O ministro Gilmar Mendes não gosta que se façam paralelos entre a Suprema Corte dos Estados Unidos e o Supremo Tribunal Federal.

O que aconteceria com a escolha da juíza Amy Coney Barrett, indicada para o tribunal, dissesse aos senadores americanos que seu marido trabalha lá, mas não sabe exatamente o que ele faz? E se o senador em cujo gabinete o cidadão está lotado também não souber?

O juiz federal Kassio Nunes Marques não soube dizer aos senadores o que sua mulher faz no gabinete do senador Elmano Férrer (PP-PI). Nem ele.

Kassio explicou aos doutores que o custo de vida em Brasília é muito caro. Treze milhões de desempregados encaram o custo de vida sem salário algum, mas faça-se justiça: ela é economista e não advoga nas cortes de Brasília. Jesse Barrett, o marido de Amy, é advogado criminalista e trabalha numa banca em Indiana.

Uma grande História dos EUA

Está nas livrarias “Estas Verdades - História da Formação dos Estados Unidos”, da professora Jill Lepore, de Harvard. Com 866 páginas e quase dois quilos, vai de Cristóvão Colombo a Donald Trump.

Lepore gosta da vida, de História e dos Estados Unidos. Isso faz com que sua produção tenha um discreto bom humor, levando-a a tratar de tudo, inclusive cinema ou esporte. Os personagens de “Estas Verdades” têm carne e osso. Ela olha para os magnatas, os poderosos, os negros, os índios e as mulheres. Em 1760 o fazendeiro George Washington consertou sua boca usando dentes de escravizados. (Pelo menos 43 deles fugiram e um combateu ao lado dos ingleses. Da fazenda de Thomas Jefferson fugiram 13. O futuro presidente acasalava-se com a escrava Sally Hemmings, meia-irmã de sua falecida mulher. Na conta do erudito amante e senhor, ela só tinha um oitavo de sangue negro.)

No século 18, as colônias americanas tiveram duas revoluções, uma contra o domínio inglês, outra contra a escravatura. Esta levou quase um século para prevalecer. O que levou os colonos a se rebelar não foram apenas os impostos e a repressão, mas sobretudo a oferta da liberdade para os escravos. Em 1776 um grupo de “subversivos”, segundo o filósofo inglês Jeremy Bentham, criou um estado “absurdo e visionário”. Em 1801 a Suprema Corte se reunia na pensão em que viviam seus juízes.

Lepore diz coisas assim: “A Inglaterra manteve-se no Caribe e desistiu da América”. Ou ainda, tratando da Guerra Civil: “O Sul perdeu a guerra, mas ganhou a paz”.

A grande nação americana foi construída também pelos movimentos dos trabalhadores, dos imigrantes e dos negros. “Estas Verdades” vai mostrando essa história aos poucos, com um elegante domínio dos fatos: em 1776, quando foi proclamada a independência dos Estados Unidos, a temperatura na cidade de Filadélfia era de 11 graus, às vésperas da chegada de Donald Trump era de 15. Para Bill Gates, “Estas Verdades“ é o “relato mais honesto e mais bem escrito que já li sobre a história dos Estados Unidos”. Jill Lepore conta uma grande aventura e termina com certa ansiedade: “Uma nação não pode escolher seu passado, só pode escolher seu futuro”.

RECORDAR É VIVER

Deu no New York Times: pelo menos 545 crianças cujas famílias tentavam entrar ilegalmente nos Estados Unidos estão em abrigos, sem que seus pais tenham sido localizados. No debate de quinta-feira (22) Donald Trump fugiu da pergunta durante vários minutos.

Essas coisas acabam passando despercebidas enquanto a vida segue, naquilo que parece ser uma rotina maior que pequenos dramas.

No dia 12 de dezembro de 1938 chegou a Londres um navio que transportava 200 crianças judias alemãs, entregues pelos pais para que fossem criadas por famílias inglesas. (Até o fim da guerra foram mais de 10 mil. O filho de uma delas, Michael Moritz, tornou-se um milionário e doou US$ 15 milhões para programas de ajuda aos pobres da Universidade de Oxford.) Nas semanas em que as crianças judias desceram em Londres, Josef Stálin assinou 30 listas com os nomes de 5.000 pessoas que deviam ser executadas e foi ao cinema do Kremlin ver uma comédia.

No Rio, Vargas posou para o escultor Leão Veloso e foi ao cinema ver “Corpo e Alma de uma Raça”. Passou o tempo e a história de Nicholas Winton, o inglês que organizou o resgate está na rede, em vários vídeos. Quem quiser poderá cultivar suas emoções por alguns minutos. O título de um deles é “Nicholas Winton, o Herói Anônimo da Segunda Guerra”.

 

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