Postado às 07h49 | 05 Mar 2023
Elio Gaspari
É o magistrado que prende uma celebridade na sexta, ganha fama e tem a medida revogada na semana seguinte
A melancolia de Jair Bolsonaro surpreendeu amigos que acreditam na sua resistência a uma eventual derrota.
Desconfiado mesmo nos momentos de glória, o capitão registra como traições gestos de puro distanciamento.
Pelo andar da carruagem, Bolsonaro poderá ser preso pelo que se chama de "juiz da sexta-feira". É o magistrado que prende uma celebridade na sexta, ganha fama e tem a medida revogada na semana seguinte.
Como Marcelo Bretas fez com Michel Temer.
Com sua experiência de promotor e secretário de Segurança, o ministro Alexandre de Moraes costuma repetir que muitos valentões desafiam a polícia na hora da prisāo e, dias depois, sentam na cama da cela para chorar.
Parece exagero, mas um bolsonarista preso em Brasília, no dia 8 de janeiro, contou ao repórter Tacio Lorran: "Eu achava que tinha um preparo psicológico, mas não aguentei. Pedi atendimento psicológico, lá. Chorar, meu filho, é fichinha. É desespero mesmo. Não tem quem não chore lá dentro. Não vi um pai de família que não chorou".
Jair Bolsonaro presenteou Lula com uma agenda diplomática de sonhos. Soube arquivar o pária e voltar a falar a língua dos povos.
A passagem de Lula pela Casa Branca e a de John Kerry por Brasília sugerem que, por algum motivo, os americanos estão praticando uma política de muita simpatia e pouco resultado.
Lula quer entrar na mediação da guerra da Ucrânia, defende a criação de um organismo internacional de governança ambiental, quer reformar o Conselho de Segurança das Nações Unidas e, se lhe sobrar tempo, aceita o prêmio Nobel da Paz.
Diplomacia barulhenta produz muitos sorrisos e poucos resultados.
O apetite de Lula por cargos na burocracia internacional provocou até piadas, pois a eleição do argentino Bergoglio para o papado teria sido uma derrota do presidente.
Se não bastassem os agrotrogloditas da Amazônia, com suas queimadas e ocupações, o agronegócio precisa se defender também dos trogloditas do Sul. Há cerca de uma semana, 200 trabalhadores baianos foram resgatados no município gaúcho de Bento Gonçalves.
Contratados para a colheita da uva, viviam em condições degradantes. Expostas, as vinícolas Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi lastimaram o ocorrido e atribuíram a malfeitoria a uma prestadora de serviços. Esse é o protocolo seguido por todas as empresas apanhadas em malfeitorias semelhantes.
Como o negócio do vinho é sensível a exposições constrangedoras, a resposta foi rápida, clara e talvez possa se provar sincera. Estava nesse pé a coisa, quando o Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves resolveu entrar na discussão e saiu-se com o seguinte disparate:
"Há uma larga parcela da população com plenas condições produtivas e que, mesmo assim, encontra-se inativa, sobrevivendo através de um sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade."
O que os doutores quiseram dizer foi o seguinte: Programas assistenciais estão drenando o estoque de mão de obra informal, mal paga e, às vezes, aviltada. No século 21, eles acham que a assistência aos pobres prejudica a economia.
Em vez de oferecer lições de pedestre ciência política, os doutores do Centro deviam prestar alguma atenção para a qualidade das relações de trabalho no negócio da uva.
Na metade do século 19, fazendeiros do Vale do Paraíba achavam um absurdo dar glebas de terras ou pagar salários a imigrantes italianos e alemães. Era isso que se fazia no Rio Grande do Sul. Passou o tempo e hoje há ali um próspero negócio vinícola.
Associá-lo a formas de trabalho aviltantes ou a empresários que satanizam programas assistenciais é colocar nos rótulos dos vinhos gaúchos a marca da estultice de alguns poucos maganos.
Para produtores concorrentes, nada melhor.
Nunca tão poucos fizeram tanto mal à indústria vinícola quanto seus agrotrogloditas.
A divulgação da fala do general Tomás Paiva na qual chamou de "indesejada" a vitória eleitoral de Lula foi um venenoso episódio de fogo amigo provocado pelo ressentimento.
Em 1977 o general Silvio Frota, demitido do Ministério do Exército, julgava-se traído pelo seu sucessor, general Fernando Bethlem.
O ministro Fernando Haddad tem motivos para comemorar o fato de ter prevalecido sobre as posições petrolíferas da presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Só não deve acreditar que seu adversário fosse ela.
Durante o Lula 1.0, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ganhou todas. Perdeu só a última, para Dilma Rousseff, porta-voz de Lula.
A ofensiva petista atrás da cabeça de Roberto Campos Neto terá o efeito oposto. Como ele só sai antes do final do mandato se quiser, isso pareceria uma infeliz covardia institucional.
Por uma questão de brio, Campos Neto tem que ficar no cargo, mesmo vestindo a camisa amarela com que foi votar e baixando os juros.