Postado às 06h34 | 02 Nov 2022
Elio Gaspari
Lula já mostrou que sabe agregar e os luminares do centrão sabem agregar-se. Já Bolsonaro, com seu silêncio dominical, confirmou o que se sabia desde janeiro de 2019, quando ele chegou ao Planalto: o figurino das instituições democráticas assenta-lhe mal.
Prever a sua morte política é uma precipitação. Ela só ocorre, às vezes, com a morte física. Mais morto que Lula no cárcere do Curitiba, só Getúlio Vargas no leito de seu quarto no palácio do Catete. Nenhum dos dois morreu politicamente e Lula viveu o suficiente para ser eleito pela terceira vez.
Deve-se buscar o Bolsonaro do futuro no inexpressivo capitão da política do Rio de Janeiro. Ele foi eleito em 2018 por muitos fatores. Um deles foi a soberba petista diante das denúncias de corrupção. Deve-se lembrar que o candidato petista Fernando Haddad dizia que, eleito, teria um conselheiro em Lula, preso em Curitiba. A coligação alimentada pelo sentimento antipetista elegeu-o. Quatro anos depois, Bolsonaro tornou-a minoritária. Minoritária, porém robusta.
Bolsonaro não é Floriano Peixoto nem Carlos Lacerda. Ambos foram grandes personagens da República. Um não passou a cargo ao seu sucessor, Prudente de Morais. Florianistas rasgaram o estofo de móveis do palácio. Colaboradores de Carlos Lacerda puseram sujeira nas gavetas do palácio Guanabara. Depois de pirraça, ambos declinaram. Floriano, abatido pela cirrose, morreu pouco depois. Lacerda vagou por todas as conspirações disponíveis e acabou-se quase esquecido.
O sentimento que elegeu Bolsonaro em 2018 produziu dois quadros. Um é Tarcísio Gomes de Freitas, eleito governador de São Paulo. A sua ida para o ministério da Infraestrutura sinaliza um daqueles momentos em que o governo de Bolsonaro poderia ter sido diferente. Ele conheceu-o de manhã, com suas credenciais de aluno estelar do Instituto Militar de Engenharia e de burocrata limpo. À noite, nomeou-o.
O segundo quadro surgido em 2018 foi o general da reserva Hamilton Mourão, eleito senador pelo Rio Grande do Sul. Mourão tornou-se vice-presidente e foi escanteado por Bolsonaro a partir de futricas pretorianas. Vale lembrar que Mourão foi buscar seus votos no Rio Grande do Sul, a 1.500 km das companhias bolsonaristas do Rio de Janeiro.
Tarcísio de Freitas e Mourão reconheceram a vitória de Lula e se afastaram do bolsonarismo tóxico, golpista e primitivo.
Quando Lula diz que o Brasil é um só, enuncia uma frase bonita e felizmente pacificadora, mas os números mostram que a divisão está aí, há tempo. Pode-se entender a força de Lula no Nordeste pela sua identificação sincera com os pobres. Entender o mapa eleitoral dos municípios do interior de São Paulo é outra história. Neles, Haddad foi batido. Pior, de uma maneira geral, lá o PT nunca prevaleceu.
Na história da direita brasileira, o mais provável é que Bolsonaro venha a ser um infeliz ponto fora da curva.
Uma boa sinalização dessa excentricidade do capitão está no seu isolamento internacional. A direita de Pindorama sempre foi ajudada pelo seu cosmopolitismo. Dois presidentes americanos (John Kennedy e Lyndon Johnson), ambos do Partido Democrata, sopraram as brasas do fogaréu de 1964. Lula foi felicitado por Joe Biden e só o esperto tatarana Steve Bannon disse que a eleição foi fraudada.