Postado às 07h32 | 06 Dez 2020
Elio Gaspari
Nesta semana o ministro Luís Roberto Barroso poderá homologar a papelada da colaboração do empresário José Seripieri Júnior, da Qualicorp, feita à Procuradoria-Geral da República. Há mais de uma semana a repórter Bela Megale revelou que Júnior, como ele é conhecido, concordou em pagar R$ 200 milhões à Viúva pelas transações em que se meteu, alimentando caixas de políticos. Em julho ele passou três dias na cadeia e sua colaboração foi antecedida pela de um sócio.
Chegando a valer cerca de R$ 4 bilhões, a Qualicorp tornou-se uma campeã organizando planos coletivos de saúde. Como uma jabuticaba, ela nunca foi uma operadora, mas Júnior tornou-se um bilionário trabalhando num mercado onde se misturam capilés para políticos que colocam jabutis nas leis e azeitam-se promiscuidades com as agências reguladoras.
Finalmente, o Ministério Público acercou-se desse mercado. A Lava Jato chegou perto, mas distraiu-se. Deltan Dallagnol, o coordenador da força-tarefa, recebeu pelo menos R$ 580 mil fazendo palestras para plateias da Unimed. Ele explicou que repassava os valores a entidades filantrópicas.
Quando a colaboração de Júnior for conhecida, será possível avaliar a sua profundidade. A operação Lava Jato começou com muito menos, pois nela o fio da meada foi puxado a partir de um posto de gasolina que lavava dinheiro. A memória da Qualicorp, ou de qualquer grande operadora, guarda muito mais que isso. O procuradores de Curitiba puxaram os fios e deu no que deu. A PGR está com o novelo na mão. Sabe-se que negociou uma multa milionária, mas a questão está também em outro lugar: na máquina desse mercado.
Pode-se dar de barato que a colaboração de Júnior levará para a mesa alguns políticos, provavelmente figurinhas fáceis de outros escândalos, alguns confessos, ou notoriamente mentirosos. Pelo cheiro da brilhantina, cairá na roda um doutor que queria cobrar os serviços do SUS.
O valor da colaboração de Júnior poderá ser avaliado se ela tratar do funcionamento da porta giratória pela qual maganos saem do mercado e vão para as agências reguladoras, ou fazem o caminho inverso, sempre enriquecendo. Noutra vertente, pode-se vir a saber como se enfiou um jabuti numa medida provisória de 2015. Ele reduzia o valor unitário das multas aplicadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar quando o volume passasse de certos limites. Em bom português: quem delinquir muito pagaria menos do que quem delinquiu pouco. Dilma Rousseff vetou o jabuti. Trata-se de perguntar, ouvir, anotar o nome do magano e chamá-lo a depor. Se for o caso, remetê-lo à carceragem.
Seripieri Júnior fez todo o caminho do mercado, conheceu suas vísceras e no ano passado começou a montar uma empresa fechada. Nela, ao contrário das operadoras que cobrem despesas com centenas de médicos, laboratórios ou hospitais, as operadoras fechadas têm suas listas e, sobretudo seus hospitais. Graças a isso, controlam seus custos e acabam cobrando menos.
A PGR está diante da oportunidade de abrir a caixa preta dos planos de saúde. Basta expandir a operação abrindo um capítulo onde se fazem perguntas estranhas ao ritual, porém essenciais para o propósito da investigação. Assim foi com a Lava Jato e assim foi com a investigação da Receita Federal e do FBI americanos que detonou as roubalheiras da cartolagem internacional do futebol.
A ideia segundo a qual se combate a corrupção com multas milionárias é pobre. Acaba criando uma espécie de pedágio, caro, porém imunizante.
A turma dos planos de saúde, acossada pela perda de clientes e pela reação aos reajustes selvagens, já tentou dois saltos triplos. Num, no escurinho de Brasília, queriam mudar a lei que regula seu mercado. A elas, tudo, aos consumidores, nada. Noutro, querem privatizar serviços do SUS. Isso durante uma pandemia na qual tentaram negar cobertura para os testes de coronavírus.
Um marciano passou pelo Brasil em 1821 e gostou das gazetas que defendiam a independência da Colônia. Voltou em 1823 e soube que ela fora proclamada, com o filho do rei de Portugal coroado imperador.
Imortal, o marciano foi aos comícios das Diretas de 1982 e encantou-se. Voltou em 1985 e soube que a campanha havia resultado na eleição indireta de Tancredo Neves, mas quem estava na presidência era José Sarney, presidente do partido do governo em 1982.
O marciano resolveu nunca mais voltar ao Brasil. Ele vive em Washington e soube que o doutor Sergio Moro é novo sócio-diretor da firma em cujo portfólio de clientes está a Odebrecht com seu processo de recuperação judicial.
Madame Natasha não perde entrevistas do general Eduardo Pazuello e admira os momentos em que ele fica calado. Outro dia, falando a parlamentares, o ministro da Saúde incomodou a senhora quando disse coisas assim:
“Se o processo eleitoral nas cidades, com todas as aglomerações e eventos, não causa nenhum tipo de aumento da contaminação, então não falem mais em afastamento social.”
“Precisamos compreender de uma vez por todas que nós só aplicaremos vacinas no Brasil registradas na Anvisa.”
Com décadas de serviço nos quartéis, o general Pazuello aprendeu a falar como comandante. Como ministro da Saúde deveria aprender que não manda nas suas audiências. Dizer a quem quer que seja que não deve mais falar em afastamento social é uma indelicadeza, se não for uma bobagem. Quando ele diz que “precisamos compreender de uma vez por todas” que o governo só patrocinará vacinas aprovadas pela Anvisa, diz uma platitude. O problema é outro: Cadê a vacina federal?
Natasha recomenda gentilmente ao general entender que seu desempenho terá uma avaliação cronológica. A vacina chegará a diversos países em janeiro, inclusive à Inglaterra e ao México, cujos governos foram negacionistas. Pazuello não sabe precisar o mês do início da vacinação no Brasil e acha razoável que metade da população de Pindorama só consiga ser imunizada no segundo semestre do ano que vem. Em São Paulo a vacinação vai começar em janeiro, a menos que Pazuello e Bolsonaro queiram atrapalhar, metendo-se numa ridícula Revolta da Vacina 2.0. Quando Natasha era uma mocinha e os generais se metiam onde não deviam, ela teve que ir a Montevideo para ver o filme “Último Tango em Paris”. (Achou-o muito chato.)
Natasha morre de medo de ter que viajar ao exterior para ser vacinada.
A nomeação do ex-senador John Kerry para a posição de czar da política de meio ambiente do governo de Joe Biden deve acender um sinal de alerta no Planalto.
Ex-secretário de Estado, Kerry não conhece agrotrogloditas, mas tem boas relações com alguns ambientalistas brasileiros.
Seria útil que os çábios do bolsonarismo parassem de pressionar empresas multinacionais que pararam de comprar soja plantada em áreas de conflito ambiental. As filiais comunicam essas pressões às suas matrizes.