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Elio Gaspari: A privataria da saúde não toma jeito

Postado às 06h05 | 01 Nov 2020

Elio Gaspari

A turma da privataria da saúde desprezou um velho conselho de Tancredo Neves e deu-se mal: “Esperteza quando é muita come o dono”.

Costuraram no escurinho de Brasília um avanço sobre as Unidades Básicas de Saúde do SUS, conseguiram um decreto, provocaram uma gritaria, tomaram um momentâneo contravapor de Bolsonaro e avacalharam o general Eduardo Pazuello. Seu ministério disse que a ideia veio da ekipekonômika. Já o doutor Guedes disse inicialmente que ela veio do ministério do general.

Em 2019 essa turma produziu em segredo um projeto que virava de cabeça para baixo a legislação que rege os planos de saúde. Tinha 89 artigos, nenhum a favor da clientela. A peça havia sido produzida num escritório de advocacia por um consórcio de entidades, seguradoras e operadoras e a consulta ao seu texto era sigilosa. Divulgada, a armação explodiu e ficou sem pai nem mãe. Covardemente, ninguém saiu em sua defesa, nem os autores.

De lá para cá veio uma pandemia, e roubalheiras público-privadas com a saúde foram expostas no Rio, Amazonas, Pará, Brasília e Santa Catarina. Três secretários de saúde passaram pela cadeia, e dois governadores estão com o mandato a perigo.

Individualmente, entre os çábios da privataria médica há renomados profissionais, ou respeitados gestores. Coletivamente, eles se misturam com larápios e operadores do escurinho de Brasília, incapazes de botar a cara na vitrine. Se praticassem esse tipo de promiscuidade no tratamento de seus pacientes privados, a medicina brasileira já teria migrado para Miami.

FIGUEIREDO, GENERAL DE VITRINE

Está chegando às livrarias “Me Esqueçam: Figueiredo - A Biografia de uma Presidência”, de Bernardo Braga Pasqualette. Conta o governo do general João Baptista Figueiredo, o último governante do ciclo que foi de 1964 a 1985.

Estourado e vulgar (um lorde nos dias de hoje), deixou a Presidência pedindo para ser esquecido. Conseguiu, mas os tempos estranhos do século 21 pediam que seu caso fosse contado, e Pasqualette ralou, entrevistando centenas de sobreviventes do ocaso da ditadura.

Figueiredo foi um personagem trágico. É visto como o último presidente da ditadura, mas assinou a anistia de 1979, respeitou as regras do jogo e deixou o palácio por uma porta lateral para não passar a faixa a José Sarney, que assumiu por conta da doença de Tancredo Neves. Seria seu grande momento. Foi o retrato de um temperamental desorientado.

Sua administração foi errática e ruinosa, mas a ele também se deve o fecho da transição para um regime democrático.

Figueiredo era um general de vitrine, tríplice coroado nas escolas militares, fazia o gênero do cavalariano desbocado e atlético. Ali havia um cardiopata inseguro e dissimulado. Muita medalha e pouco mérito. Ele passou mais tempo no palácio do que em comandos de tropa e viveu parte da Segunda Guerra como instrutor da cavalaria na escola de Realengo.

FAIXAS

Ao tempo do general Figueiredo o governo tinha mania de condecorações. Ela voltou, com mais um penduricalho: as faixas. Esse adereço monárquico exige bons modos e elegância. Quando o uso de faixas era coisa de miss em concurso de beleza, as moças vestiam-nas como rainhas.

Bolsonaro veste suas faixas com tamanha desatenção que elas podem acabar virando cachecóis. Em seu benefício, diga-se que nunca usou faixa com o paletó aberto, coisa que pela menos um dos seus generais já fez.

O FUTURO DE SALLES

A segurança de Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente tornou-se idêntica à de uma jazida em reserva indígena.

Quando o general da reserva Santos Cruz reclamou do “desrespeito geral, por despreparo, inconsequência e boçalidade” que envenenam o ar, não deu nome aos bois, mas passou sua boiada.

Com o PT a pão e água nas pesquisas, Lula caiu na real

Com o PT a pão e água nas pesquisas para a eleição dos prefeitos do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, Lula caiu na real.

Em junho ele se recusava a assinar manifestos que julgava poluídos por eventuais adesões como as de Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer.

Nas suas palavras: “Eu não tenho mais idade para ser maria vai com as outras. O PT já tem história neste país, já tem administração exemplar neste país. Eu, sinceramente, não tenho condições de assinar determinados documentos com determinadas pessoas”.

Passaram-se quatro meses e a “metamorfose ambulante” mudou, anunciando que “podemos ter uma ampla coalizão contra o Bolsonaro em 2022”.

Graças a uma costura de Camilo Santana, o governador petista do Ceará, “Nosso Guia” restabeleceu a comunicação com Ciro Gomes, a quem ele e o comissariado petista maltratavam.

Quando os dois se estranhavam, Ciro disse, com razão, que “o PT se acha dono dos votos” e Lula “se acha o maioral”.

WITZEL SAUDITA

O doutor Wilson Witzel (Harvard Fake ‘15) ameaça: “Se perceber que há perseguição política e cooptação das instituições contra mim e a minha família, pretendo pedir asilo político no Canadá”.

Ex-juiz, Witzel deve procurar um advogado ou pensar num outro tipo de fuga. É improvável que a embaixada do Canadá dê asilo político a um cidadão acusado de improbidade que tenha sido afastado do governo num processo público e irretocável.

Isso, fazendo-se de conta que o governador do Rio defendia os direitos humanos quando dizia que “a polícia vai mirar na cabecinha e… fogo”.

O Canadá tem uma tradição humanitária e recebeu dezenas de milhares de refugiados, quase todos do andar de baixo. Talvez Witzel possa tentar a Arábia Saudita, que em 1979 asilou o balofo ugandense Idi Amin Dada, ou o Marrocos, onde o larápio general congolês Mobutu terminou seus dias.

GUEDES X MARINHO

O doutor Paulo Guedes sempre soube que a Febraban opera a serviço dos bancos, até porque já esteve naquele lado do balcão. Como ministro, atacou a guilda acusando-a de financiar “estudos que não têm nada a ver com a atividade de defesa das transações bancárias, financiando ministro gastador para ver se fura o teto, para ver se derruba o outro lado”.

A fala seria trivial, mas seu final ficou críptico. Pode-se deduzir que o “ministro gastador” é Rogério Marinho. Falta explicar o uso da palavra “financiando”.

Pelo nível das cotoveladas que os dois trocam, poderiam ouvir o conselho de Djalma Marinho, avô de Rogério, em 1968, quando o governo armava o bote do AI-5: “Ao rei, tudo, menos a honra”.

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