Postado às 05h10 | 12 Jan 2022
Elio Gaspari
A coisa mais perigosa do mundo é arriscar previsões sobre o comportamento de Jair Bolsonaro. Mesmo assim, é indiscutível que, depois da missão Michel Temer, em setembro do ano passado, ele baixou o verbo com os ministros do Supremo Tribunal Federal.
Parece que a nota do almirante da reserva Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, levou-o a baixar a bola também no ridículo conflito em torno da vacina das crianças. Se disso resultar uma moratória de Bolsonaro diante da pandemia, o ano de 2022 terá começado melhor.
Desde que o coronavírus entrou na agenda mundial, o capitão errou todas. A “gripezinha” matou mais de 620 mil pessoas, e a cloroquina serviu para nada. A boa notícia veio do funcionamento do programa de imunização, área em que o Brasil tinha um desempenho histórico louvável. A ele, somou-se o comportamento da população, vacinando-se.
Nem o declínio na qualidade da gestão do Ministério da Saúde foi suficiente para anestesiar os brasileiros.
Se Bolsonaro parar de exercer ilegalmente a medicina, deixando a pandemia para os médicos, todo mundo ganha.
O coronavírus teve um terrível efeito sobre o governo de Bolsonaro. Começou brigando com João Doria, um governador que havia ajudado a eleger. Em seguida, brigou com Luiz Henrique Mandetta, um deputado que havia colocado no Ministério da Saúde. Nelson Teich, seu substituto, devolveu-lhe o cargo em poucas semanas, até que o capitão puxou da mochila sua arma secreta: um general da ativa.
Eduardo Pazuello deu com os burros n’água e quebrou o encanto da mágica da nomeação de militares para cargos civis.
O doutor Marcelo Queiroga foi para a cadeira e mostrou que um médico pode ser pior ministro que um general. Todas essas encrencas saíram do próprio governo, girando em torno de muitas superstições e alguns projetos de falcatrua. A oposição nada teve a ver com isso.
Ao atacar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, presidida por um almirante-médico da reserva, escolhido por ele, Bolsonaro atravessou o espelho. Ele jamais documentaria a insinuação de que a Anvisa tinha interesses na compra de vacinas. Esse tipo de malandragem rolou na máquina do Ministério da Saúde e foi contida, como ficou demonstrado pela Comissão Parlamentar de Inquérito.
O conflito com a Anvisa e com Barra Torres fez parte do acervo de brigas inúteis do governo Bolsonaro. Nessa prateleira estão as caneladas contra a China, a eleição de Joe Biden e o governo argentino de Alberto Fernández. Tudo para nada. Vale lembrar que, nos primeiros dias de governo, a diplomacia de Bolsonaro usou os ofícios de um embaixador israelense exibicionista, aceitando uma missão inútil de socorristas para o desastre de Brumadinho.
Movido por teorias delirantes, o governo escolhe mal tanto os aliados como os adversários. Na pandemia, como o vírus é microscópico, brigou com os colaboradores.
Em 1904, quando alguns políticos, jornalistas e militares insuflaram a Revolta da Vacina, o presidente Rodrigues Alves traçou uma linha que não poderia ser ultrapassada. Prevaleceu. Em 2022, é possível que a linha traçada pacificamente por Barra Torres venha restabelecer a racionalidade no tratamento da pandemia. A ver.