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Elio Gaspari: A diplomacia da inépcia

Postado às 05h04 | 27 Mai 2020

Elio Gaspari

Com a exposição das falas tétricas da reunião ministerial de Bolsonaro, saem do Planalto sinais de preocupação diante de um eventual estrago que possa ocorrer nas relações do Brasil com a China.

Se um ministro chinês dissesse que o Brasil “é aquele cara que cê sabe que cê tem de aguentar”, porque eles nos vendem proteínas de que precisamos, e outro acrescentasse que a “globalização cega” levou o país a comprar alimentos de quem espalhou o “comunavírus”, a milícia bolsonarista estaria com a faca nos dentes. Bizarrices desse tipo partiram dos ministros Paulo Guedes, na reunião, e Ernesto Araújo, num artigo.

O professor Delfim Netto já ensinou que os governos precisam abrir a quitanda pela manhã, com berinjelas para vender e troco para a freguesia. O governo de Jair Bolsonaro só abre à noite, não tem troco nem legumes, e briga com as freguesas. À primeira vista faz isso movido por estranhas convicções, mas as encrencas que ele cria com a China são produto da inépcia.

Durante a existência do capitão, a diplomacia brasileira cuidou de grandes questões que envolviam o interesse nacional. Assim foi com o estranhamento ocorrido no século passado com a Argentina em torno da construção da hidrelétrica de Itaipu, ou mesmo com os Estados Unidos durante o governo de Jimmy Carter em torno do Acordo Nuclear assinado com a Alemanha. Nesses dois casos, existiam contenciosos. Com a China não há contencioso algum, salvo recônditos sentimentos racistas. No limite, o Império do Meio acaba mal falado porque compra berinjelas brasileiras. O doutor Guedes diz que “tem que aguentar” o chinês e orgulha-se de ter lido obras do economista John Maynard Keynes “três vezes, no original”. Ler o inglês no original é motivo de orgulho, vender soja para o chinês chega a ser um desconforto.

O povo chinês viveu o que ele mesmo chama de “século da humilhação”. O palácio de verão dos imperadores foi saqueado por uma tropa anglo-francesa em 1860 e no início do século passado um parque localizado no enclave internacional de Xangai tinha um cartaz que avisava: “Proibida a entrada de cachorros e de chineses”. Quando o ministro da Educassão Abraham Weintraub fez graça brincando com a fala do Cebolinha para sugerir que a China seria a beneficiária da ruína provocada pela pandemia, sabia que lidava com um preconceito. Seu erro estava em julgar-se superior aos chineses, e muita gente pensa assim.

Em 1979, quando o poderoso Deng Xiaoping visitou Nova York, precisou pedir dinheiro a um amigo para comprar um presente para sua neta, uma boneca que chorava e fazia xixi. Hoje as crianças americanas brincam com bonecas chinesas.

Na transcrição liberada com embargos pelo ministro Celso de Mello, Bolsonaro disse que “não queremos brigar com XXXXXX, zero briga com a XXXXX.” A XXXXX não briga, espera.

Fica aqui o registro de que o ministro zombou da curiosidade alheia nos embargos que impôs ao texto da fatídica reunião de 22 de abril. Alguns cortes são risíveis, pois basta medir o trecho suprimido para se perceber o que está escrito ali.

 

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