Postado às 06h28 | 17 Mai 2021
O ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha concedeu à CNN sua primeira entrevista à televisão brasileira desde que foi preso em 2016. Nela, criticou a forma como se deu sua prisão e a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas rejeita apoiar o PT.
“Já vivi o PT. Não quero o PT de volta. Eu concordo que a prisão do Lula foi um absurdo, assim como a minha também o foi”, afirmou o então presidente da Câmara durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Cunha criticou ainda o andamento da CPI da Pandemia por considerá-la um “palanque” e analisou o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a relação do Planalto com o Congresso. Falou também sobre a Operação Lava Jato e os quatro anos e meio em que esteve na prisão. Confira a seguir os principais trechos da entrevista com Eduardo Cunha.
“Voto em Bolsonaro. Já vivi o PT. Não quero o PT de volta. Eu concordo que a prisão do Lula foi um absurdo, assim como a minha também o foi. Ele é vítima mesmo. Meu discurso não é contraditório. Ele está num momento de graça por que está como vítima. Qualquer cenário do país? Votaria no Lula como? Votaria no Bolsonaro assim como? Não vai votar em ninguém. O Bolsonaro só ganha a eleição se enfrentar o Lula e o Lula só ganha a eleição se enfrentar o Bolsonaro. Se Bolsonaro enfrentar qualquer outro vai perder, se Lula enfrentar qualquer outro vai perder. Tem anti PT e anti -Bolsonaro. Por isso que os dois vão para os segundo turno. Nesse momento, o antibolsonarismo está maior.”
"Já vivi o PT. Não quero o PT de volta. Eu concordo que a prisão do Lula foi um absurdo, assim como a minha também o foi. Ele é vítima mesmo."
Eduardo Cunha também analisou o posicionamento do ex-presidente Lula. “Lula está acima do PT. Se Lula, por exemplo, saísse do PT e fosse para o centro ele ganhava essa eleição, sem sombra de dúvida. O que atrapalha Lula é o PT. O problema maior do Lula é o PT. Ele é maior que o antipetismo. O Bolsonaro criou o bolsonarismo, mas é ainda pequeno. Ou sequer talvez dê para ir para o segundo turno. Isso não levara Bolsonaro para 2° turno apenas.”
“Foi um erro de articulação do governo. Isso realmente é uma falta de articulação. E agora tem que correr atrás de prejuízo. A CPI virou palanque para poder fazer uma Presidência (da República) antecipada. Apresentar pedido de impeachment por qualquer motivo vai para a Câmara. Não vejo como a CPI vai virar o processo eleitoral como acham que possa virar. Só vejo palanque. Renan Calheiros é ativista político de palanque. Tentando dar uma melhorada na sua biografia perante a opinião pública.”
A CNN entrevistou com exclusividade o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (14.mai.2021) Foto: Reprodução / CNN
"Não vejo como a CPI vai virar o processo eleitoral como acham que possa virar. Só vejo palanque. Renan Calheiros é ativista político de palanque."
“Não diria que a Lava Jato elegeu Bolsonaro. Diria o seguinte: o PT passou por impeachment. Nós tivemos a polarização na política que existe desde a 1° eleição depois da ditadura do Collor. Tivemos polarização sempre um lado e um outro. O PT ocupa um lado. Ocupou em 1989 na 1° eleição contra Collor depois de ter tirado o Brizola. E a partir da foi o PT contra outros. O que acontece: Bolsonaro tomou o lugar do anti-PT que estava com o PSDB. Qualquer um que enfrentasse o PT iria ganhar a eleição. Qual foi o mérito do Bolsonaro? Ele tomou o lugar do PSDB e virou o anti-PT.”
"Bolsonaro tomou o lugar do anti-PT que estava com o PSDB. Qualquer um que enfrentasse o PT iria ganhar a eleição. Qual foi o mérito do Bolsonaro? Ele tomou o lugar do PSDB e virou o anti-PT"
“É muito difícil fazer uma avaliação de um governo e nós estamos há 2 anos nesse governo em que mais da metade está no meio de uma pandemia. Eu diria que um governo que começou com uma reforma da Previdência, mas, a partir daí, foi um pouco prejudicado pela pandemia. E também tem o 2.º ponto: Bolsonaro se elegeu e não conseguia naquele momento ter uma base.”
“Os militares são funcionários do estado. O Bolsonaro é militar. É natural. Não vejo militares como grupo. Vejo Bolsonaro como militar. Eu vejo como apêndice dele, como derivação dele. Não vejo como grupo. Não tem uma força militar governando, tanto que os próprios líderes militares da ativa fazem questão de não se mostrar políticos. É o que temos visto. Os que são mais politizados são aqueles que estão na reserva e exercendo um cargo técnico e de assessoramento.”
"Vejo Bolsonaro como militar. Eu vejo como apêndice dele, como derivação dele. Não vejo como grupo. Não tem uma força militar governando, tanto que os próprios líderes militares da ativa fazem questão de não se mostrar políticos"
“Se eu fosse presidente seria natural eu me cercar de deputados. A origem dele é militar. Ele escolheu quem ele tem confiança. Não vejo isso como grupo, vejo isso como própria derivação dele, da posição profissional dele. Os ideológicos são outra coisa. O Bolsonaro prega e tem uma ideologia. Essa parte ideológica o apoia. Essa parte não é maioria no país. Ele, para poder governar e se reeleger, ele precisa dessa parte que o apoia, mas precisa também daqueles que não comungam de sua ideologia”.
"O Bolsonaro prega e tem uma ideologia. Essa parte ideológica o apoia. Essa parte não é maioria no país. Ele, para poder governar e se reeleger, ele precisa dessa parte que o apoia, mas precisa também daqueles que não comungam de sua ideologia"
“Consequentemente, ele precisa falar para mais, não só pregar para convertido, para um pouco mais da sociedade. É natural influenciar discursos e ações. O Bolsonaro compactua com essa parte da ideologia. O nível de influência deles sobre os atos e atitudes de Bolsonaro não tenho condição de medir. Certamente tem influência. O Centrão é outra coisa. Eles fazem uma base parlamentar e essa base parlamentar vota e tem compromisso. Alguns terão compromissos com ele, outros não. Alguns terão compromisso na reeleição, outros não.”
Eduardo Cunha, circundado pelas principais lideranças do Centrão, é eleito presidente da Câmara dos Deputados em 2015 Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
“Muitos que apoiaram Dilma ou PT não estavam com eles na eleição. Essa é uma coisa normal do parlamento, você busca, você ganha, você está lá governado, você tem princípios, você ganha apoio. É o que o Bolsonaro de alguma forma acabou fazendo. Mas o que prepondera desses três, depende para que efeito? Para governar? Talvez os partidos de centro sejam mais importantes, para ele se reeleger, o conjunto deles.”
"Mas o que prepondera desses três, depende para que efeito? Para governar? Talvez os partidos de centro sejam mais importantes, para ele se reeleger, o conjunto deles."
“Essa construção que o Bolsonaro fez com os partidos de centro ela se deu já no meio da pandemia. Isso que eu falei que no 1.º ano Bolsonaro começou sem maioria e isso dificultou quando começou a pandemia e quando começou uma avalanche em cima do governo para contestar e aí ou o Bolsonaro faria uma aliança, ou ele corria risco de impeachment. Não tinha a menor dúvida disso. Quando ele fez essa aliança com o centro, ele estabilizou uma base. Não é uma questão de estar refém.”
"Ou o Bolsonaro faria uma aliança, ou ele corria risco de impeachment. Não tinha a menor dúvida disso. Quando ele fez essa aliança com o centro, ele estabilizou uma base. Não é uma questão de estar refém."
“Se você colocar sobre esse lado, todo presidente que faz uma aliança está refém. Se você tirar sua maioria e você ficar em minoria, você se torna refém de quem te dá a maioria, em tese. Isso é uma aliança. Todo mundo que depende de maioria constituída se torna refém dessa maioria. Se os deputados constituem a maioria para me destituir, vão me destituir, então estou refém de todos. Bolsonaro não é refém do centrão. Não é a palavra pejorativa do refém, ‘se não fizer o que eles querem vou perder’. É refém da necessidade do apoio.”
“Arthur Lira acabou de assumir, não tem como você ainda fazer a gestão, mas há uma percepção muito grande de melhora em relação ao Rodrigo Maia. Rodrigo Maia ele tem um problema. Sempre quis ser maior do que aquilo que ele o é. Consequentemente, ele sempre buscou o exercício dessa ambição. A ambição dele sempre foi limitada.”
“Quando ele me apoiava, sempre queria mais, sempre queria espaço. Ele queria ser o relator do impeachment. Se ele tivesse sido relator jamais haveria impeachment na comissão especial. Iria dividir a composição, não ia conseguir unir os partidos do centro, ia ter chapa, não ia ter comissão especial nem impeachment. Então eu tive naquele momento me indispor com ele e depois ele quis ser líder do governo do Michel Temer na Câmara. E aí os partidos de centro não queriam. Não queriam ninguém oriundo da oposição da época. Achavam que o Rodrigo queria ser candidato à presidência da Câmara. Então escolheram um nome e eu fui encarregado naquele momento de levar a notícia pro Michel que ele não nomeasse líder do governo o Rodrigo Maia. Ele ia perder partidos da base de apoio dele.”
"Quando ele [Rodrigo Maia] me apoiava, sempre queria mais, sempre queria espaço"
“O Michel [Temer, ex-presidente] acabou entendendo naquele momento e praticamente desconvidou o Rodrigo. Nesse contexto que ele se elegeu ele fez acordo com muita gente, inclusive com a minha cabeça, inclusive para votar no meu processo de cassação. E aí, ele tentou tutelar o governo do Michel e o do Bolsonaro ele estava tutelando.”
"A razão principal do Bolsonaro ter feito acordo com o centro na minha opinião era a tutela que o Maia estava fazendo no exercício da presidência da Câmara no início da pandemia"
“A razão principal do Bolsonaro ter feito acordo com o centro na minha opinião era a tutela que o Maia estava fazendo no exercício da presidência da Câmara no início da pandemia. Até aquela despesa que ele colocou para estados e municípios de bilhões. Ninguém aguentaria. Iria quebrar o país. Quando Bolsonaro faz os acordos com os partidos de centro, o Rodrigo foi relegado a segundo plano. Arthur Lira pelo que eu vi até agora está exercendo uma democracia. É o que eu estou vendo. Estabilidade. É isso que eu vejo nele.”
Citados por Cunha, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o ex-juiz Sergio Moro e o senador Renan Calheiros (MDB) disseram que não vão comentar as declarações do ex-deputado. O deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse que Cunha "ainda está fora do eixo depois de tudo que passou". A assessoria da Lava Jato não se manifestou até a conclusão desta reportagem.