Postado às 06h48 | 22 Abr 2020
Editorial da Folha hoje, 22
Fez bem o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, em autorizar a abertura de inquérito para apurar a ocorrência de crimes contra a segurança nacional durante manifestação em que se defendeu intervenção militar no domingo (19), em Brasília.
O ato, que contava com a participação de não mais que algumas centenas de energúmenos, ganhou repercussão porque o presidente Jair Bolsonaro aproveitou a ocasião para, em frente ao quartel-general do Exército, fazer um discurso de sotaque golpista com insinuações contra o Congresso.
A investigação é oportuna. Mesmo que não resulte em processo, o que ora parece mais provável, demonstra ao presidente e a seus acólitos que as instituições estão prontas a reagir com destemor a investidas autoritárias.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, evitou citar Bolsonaro no pedido de investigação. Limitou-se a mencionar “atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do STF”.
A ausência do nome do chefe de Estado, cuja presença na manifestação foi ostensiva, é eloquente.
O fato de a conduta do mandatário não constar do documento não significa que ele esteja imune à apuração. Se for constatada sua participação em delitos, o inquérito poderá dar origem a um processo por crime comum —além de servir de subsídio a um eventual pedido de impeachment.
Em ambas as hipóteses, para que os processos avancem, é necessária a autorização da Câmara dos Deputados, por maioria de dois terços de seus membros. Em caso de impeachment, o julgamento cabe ao Senado; tratando-se de infração penal comum, ao Supremo.
Em tese, o inquérito vai averiguar se houve violações a dispositivos de defesa do Estado que constam da famigerada Lei de Segurança Nacional, por meio da qual o regime militar processou opositores.
Merecem destaque o artigo 17, que coíbe tentativas de “mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito”, e o 23, que criminaliza o incitamento à subversão da ordem política.
Aqui cabe, decerto, uma interminável discussão sobre se as ações de Bolsonaro efetivamente se encaixam nesses dispositivos e se eles próprios não são inconstitucionais, ao limitar demasiadamente o princípio da liberdade de expressão.
Não deixa de ser irônico, de todo modo, que um notório admirador da ditadura agora se veja às voltas com a lei dos tempos de arbítrio.