Postado às 07h30 | 01 Jul 2020
Estado
Uma péssima herança estará à espera de quem assumir a Presidência em 2023. Sua tarefa mais urgente será cuidar de um enorme buraco nas contas públicas e administrar uma dívida próxima de 100% do Produto Interno Bruto (PIB). Além de matar dezenas de milhares de pessoas e jogar a economia num buraco, a covid-19 pôs em xeque uma das principais ambições da equipe econômica: fechar o atual mandato com as finanças oficiais bem mais arrumadas. Daí o empenho em retomar o trabalho, em janeiro de 2021, limpando os escombros deste ano. Será um trabalhão, como se vê pelo último balanço do setor público: o déficit primário saltou de R$ 13 bilhões em maio de 2019 para R$ 131,4 bilhões um ano depois, segundo informe do Banco Central (BC).
Com um rombo de R$ 127,1 bilhões, o governo central foi responsável pela maior parte do déficit primário do setor público em maio deste ano. O resultado primário é calculado sem o serviço da dívida. Houve aumento de gastos para o combate à pandemia e para ajuda a empresas e trabalhadores. Além disso, a arrecadação de tributos foi prejudicada pela redução da atividade, muito sensível a partir de abril, e pelo diferimento de algumas cobranças. Segundo o Tesouro, a receita líquida, de R$ 54 bilhões, foi 41,6% menor que a de um ano antes, descontada a inflação. Pelo mesmo critério, a despesa total, de R$ 180,6 bilhões, foi 68% maior que a de maio de 2019.
Como é recente o impacto econômico da pandemia, o efeito nos valores acumulados num período mais longo é bem menos perceptível. Em 12 meses o déficit primário do governo central chegou a R$ 300,5 bilhões, pelos critérios do Tesouro. Segundo esse padrão, o saldo primário é simplesmente a diferença entre receitas e despesas não financeiras. Nas contas publicadas pelo BC, o saldo corresponde à necessidade de financiamento. Nessa perspectiva, o déficit primário do governo central em 12 meses bateu num valor pouco diferente: R$ 298,5 bilhões.
Por qualquer dos critérios, o buraco nas contas do governo central, no fim do ano, será muito diferente dos R$ 124,1 bilhões estimados até o começo de 2020. Provavelmente ultrapassará R$ 600 bilhões, segundo as novas projeções do Tesouro, e o resultado ainda será bem pior se novos gastos forem acrescentados às despesas emergenciais programadas até agora.
O quadro desenhado pelo BC é mais amplo. Inclui também as contas de governos de Estados e municípios e de estatais (sem Petrobrás e Eletrobrás). Assim calculado, o déficit primário do setor público atingiu R$ 131,4 bilhões em maio, R$ 214 bilhões no ano e R$ 282,8 bilhões em 12 meses. Somados os juros, chega-se ao chamado déficit nominal, um rombo de R$ 140,4 bilhões no mês, R$ 366,1 bilhões no ano e R$ 638,6 bilhões em 12 meses (8,8% do PIB).
Com o rombo cresce também o endividamento. Em maio a dívida bruta do governo geral (três níveis, mais INSS) chegou a R$ 5,9 trilhões, soma equivalente a 81,9% do PIB. Em abril a relação era de 79,8%, ligeiramente inferior ao limite (80%) fixado pelo governo em seu plano para o ano. As novas estimativas indicam resultados entre 95% e 100% no fim de 2020, se nada mais grave ocorrer. A porcentagem ficará uns 30 pontos acima daquela estimada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para a média dos países emergentes e em desenvolvimento.
Se o desajuste for muito além dos planos atuais, o governo poderá encerrar o próximo mandato sem ter conseguido um ano de superávit primário, segundo o Tesouro. Não sobrará dinheiro nos próximos seis anos, portanto, para o pagamento de juros. Pior: sem um claro compromisso de ajuste, o mercado cobrará mais para financiar o Tesouro. Além disso, com juros mais altos será mais difícil a recuperação econômica. Pelas atuais projeções do mercado, 2023, primeiro ano do novo mandato, ainda terminará com déficit primário de 1% do PIB. Por volta de 10 de abril ainda se admitia um equilíbrio. Será fácil agravar esse quadro, se o populismo e alianças políticas dispendiosas derrotarem a aritmética e a responsabilidade.