Postado às 07h44 | 10 Jul 2020
Editorial do Estado
Em setembro do ano passado, o Estadão revelou que no terceiro andar do Palácio do Planalto, bem próximo ao gabinete de Jair Bolsonaro, fora montado um núcleo de “assessoramento de comunicação” composto por ex-assessores parlamentares ligados a dois filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e blogueiros que durante a campanha eleitoral de 2018 ganharam a simpatia do “Zero 2” e do “Zero 3” ao criarem perfis e páginas nas redes sociais cujo conteúdo era amplamente favorável ao então candidato à Presidência e bastante hostil a quem quer que fosse considerado “inimigo” da família, fossem pessoas ou instituições. Naquela ocasião, o País tomou conhecimento da existência do “gabinete do ódio”.
Na quarta-feira passada, o Facebook desencadeou uma operação de combate às fake news e ao discurso de ódio que atingiu em cheio essa rede de apoio ao presidente Bolsonaro na internet. Embora não tenha revelado dado novo – tanto a existência como a forma de atuação do “gabinete do ódio” já eram amplamente conhecidas –, a ação da empresa teve o efeito prático de retirar do ar 35 perfis, 14 páginas e 1 grupo no Facebook, além de 38 perfis no Instagram, empresa que, como o WhatsApp, é controlada pela holding Facebook. Com essas contas e páginas fora do ar, que juntas tinham quase 2 milhões de seguidores, o alcance das ofensas e das falsas informações que circulam por meio das redes sociais haverá de cair substancialmente.
O caráter global da operação do Facebook desfaz quaisquer suspeitas em relação ao possível direcionamento da ação contra alvos políticos predeterminados. Redes similares em vários países – pelo menos 11 – foram atingidas, inclusive nos Estados Unidos, onde pessoas que assessoraram o presidente Donald Trump também tiveram suas contas apagadas.
Os auditores do Facebook vincularam diretamente alguns dos perfis e páginas que foram retirados do ar no Brasil a Tércio Arnaud Tomaz, que ficou conhecido como o administrador da página “Bolsonaro Opressor 2.0” durante a campanha eleitoral de 2018 e hoje está lotado no Palácio do Planalto como assessor especial do presidente Jair Bolsonaro. Tomaz é até agora o elo formal mais forte entre o presidente da República e o tal “gabinete do ódio” que seria chefiado nas sombras por seu filho Carlos Bolsonaro.
A atuação direta de assessor do presidente em uma rede espúria de desinformação e destruição de reputações é algo gravíssimo que pode ter sérias repercussões na CPMI das Fake News, no inquérito que apura a atuação do “gabinete do ódio” contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e seus ministros e no âmbito do processo que corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para apurar abuso de poder econômico da chapa liderada por Jair Bolsonaro justamente pelo uso de uma milionária estrutura de rede digital por meio da qual teriam sido disparadas em massa ofensas e fake news em 2018.
Como a atuação de insidiosa rede já se observava antes da vitória de Jair Bolsonaro no pleito, pelo que revela a operação do Facebook, tudo indica que a chegada de Bolsonaro ao Palácio do Planalto apenas teve o condão de dar um caráter oficial a práticas que já ocorriam há meses no submundo da internet. Basta ver que não cessaram – aí está o inquérito que corre no STF para apurar ações recentes de blogueiros próximos ao presidente – e, pior, recrudesceram.
É de suma importância o mais rápido esclarecimento das formas de atuação e, não menos importante, dos meios de financiamento dessa rede profissional de disseminação de fake news, ameaças e ofensas contra pessoas e instituições pátrias. Os efeitos daninhos dessa rede extrapolam o âmbito pessoal – o que é grave por si só – e comprometem o próprio viço da democracia brasileira ao falsear a opinião pública por meios insidiosos. A desinformação estabelece um debate público sob falsas premissas. Poucas coisas são mais antidemocráticas.