Postado às 09h42 | 28 Mai 2020
Editorial do Estado
Contando com a conivência (quando não com o estímulo) do presidente Jair Bolsonaro, seus camisas pardas travestidos de patriotas têm proferido sistemáticos ataques aos integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) porque aquela Corte ousa impedir o arbítrio bolsonarista. Sem serem advertidos por seu líder de que tal comportamento não condiz com a vida numa sociedade democrática, esses celerados defendem o fechamento do Supremo em manifestações das quais participa o próprio presidente. Não bastasse isso, ministros de Estado ansiosos por se provarem mais bolsonaristas que Bolsonaro expressam sua hostilidade ao Supremo, seja desejando ver seus ministros presos, seja advertindo do risco de ruptura institucional caso a Corte continue a fazer seu trabalho de impor limites ao presidente conforme a Constituição.
Mas o Supremo está disposto a demonstrar serenamente que não se intimida com os arreganhos liberticidas do bolsonarismo radical. “Sem Poder Judiciário, não há o império da lei. O País tem nos ministros do STF a garantia de que a Constituição da República continuará a ser observada, e a democracia, assegurada”, disse a ministra Cármen Lúcia, que lembrou que, num Estado Democrático de Direito, ninguém está acima da lei, cuja aplicação é tarefa dos juízes: “Eventuais agressões a juízes desta Corte não enfraquecem o Direito. O Brasil tem direito à democracia e à Justiça. O Supremo nunca lhe faltou e não lhe faltará”.
Na mesma linha, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo e que tem sido o mais recente alvo das agressões bolsonaristas, foi enfático: “Sem um Poder Judiciário independente, que repele injunções marginais e ofensivas ao postulado da separação de Poderes emanadas de mentes autoritárias que buscam ilegitimamente controlar o exercício da jurisdição, jamais haverá cidadãos livres nem regime político fiel aos princípios e valores que consagram o primado da democracia”.
Os ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes se declararam representados pelas palavras de Cármen Lúcia, e o ministro Ricardo Lewandowski acrescentou que o Judiciário “não se curva a nenhuma pressão externa”. Já o ministro Luís Roberto Barroso, ao tomar posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, disse que, “como qualquer instituição em uma democracia, o Supremo está sujeito à crítica pública e deve estar aberto ao sentimento da sociedade”, mas é preciso lembrar que “o ataque destrutivo às instituições, a pretexto de salvá-las, depurá-las ou expurgá-las, já nos trouxe duas longas ditaduras na República”, que “são feridas profundas na nossa história, que ninguém há de querer reabrir”.
O Supremo, assim, dá uma resposta serena, porém firme, aos inconformados com a redemocratização do Brasil depois de duas décadas de ditadura. Democracia, malgrado seja o regime baseado na mais plena liberdade, não confere direitos ilimitados a ninguém, nem ao presidente da República nem a seus exaltados devotos – ao contrário, todos e cada um, a começar pelo chefe do Executivo, devem responder pelos seus atos, na exata medida da lei.
Foi por esse motivo, aliás, que o Supremo, em março do ano passado, instaurou inquérito para apurar as ameaças e denunciações caluniosas dirigidas por bolsonaristas à Corte em redes sociais, além da fabricação de notícias fraudulentas, conhecidas como fake news, para confundir a opinião pública acerca do trabalho dos magistrados. Em qualquer dos casos, seja ao ameaçar ministros do STF e seus familiares, seja ao disseminar mentiras sobre a Corte, os bolsonaristas atentam contra o Poder Judiciário, com a óbvia intenção de enfraquecer a democracia.
Por ora, esse inquérito resultou em mandados de busca e apreensão, cumpridos ontem, contra bolsonaristas que criam e impulsionam fake news em redes sociais. Segundo o relator do inquérito, ministro Alexandre de Moraes, as provas obtidas até agora “apontam para a real possibilidade de existência de uma associação criminosa” dedicada a atacar instituições da República “com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”. Se é assim, que sobre eles recaia todo o peso da lei – pois é assim que a democracia funciona.