Postado às 07h25 | 29 Nov 2020
Editorial do Estado
O ex-presidente Lula da Silva declarou seu apoio ao candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, nos seguintes termos: “Todos os eleitores e eleitoras que votam no PT, todos os eleitores que são de esquerda, todos os eleitores progressistas, todos que querem restabelecer a democracia no Brasil, têm agora o compromisso histórico de votar no companheiro Guilherme Boulos para prefeito de São Paulo”.
A declaração é espantosa – não por cobrar dos petistas o voto em Boulos, pois isso é problema dele e de seus devotos, mas sim por dizer que se trata de um voto para “restabelecer a democracia no Brasil”. Ora, quem disse que a democracia brasileira precisa ser “restabelecida”?
É essa visão lulopetista que envenena a democracia, tanto quanto o bolsonarismo que ela pretende antagonizar. Para o chefão do PT, se a esquerda não está no poder, então não há democracia.
Felizmente, contudo, a campanha municipal em São Paulo tem dado provas de que a peçonha autoritária deu lugar à discussão sobre os problemas da cidade e sobre quem é mais competente para resolvê-los. À parte as rusgas naturais de uma corrida eleitoral disputada, o que se tem são dois candidatos que se respeitam e ao eleitor.
Decerto a decepção e o cansaço com o populismo lulopetista e bolsonarista, medidos em pesquisas e evidentes no cotidiano do País, foram essenciais para reconduzir a democracia ao leito da política, em que as coisas não se resolvem no grito, mas no diálogo e na aceitação da legitimidade do adversário. Já não era sem tempo.
A declaração de Lula da Silva, contudo, só reforça a percepção de que a candidatura do sr. Boulos está atada a compromissos danosos à cidade e ao País. Por mais moderado que tenha se mostrado, o candidato do PSOL é hoje a esperança de restauração do poder de uma esquerda desmoralizada por escândalos cabeludos, grossa incompetência administrativa e truculência antidemocrática. O tal “compromisso histórico” de que fala Lula é tão falso quanto as juras de inocência do chefão petista.
É certo, portanto, que um eventual triunfo de Guilherme Boulos representaria um enorme retrocesso, pois daria sobrevida à empulhação lulopetista, sob a capa da renovação representada pelo PSOL – que, é preciso recordar, nasceu como dissidência radical do PT e continua fiel aos ideais retrógrados que o movem desde então.
É por essa razão que o melhor desfecho para São Paulo, na votação de hoje, seria uma vitória do atual prefeito, Bruno Covas (PSDB), que já deu demonstrações suficientes de sua seriedade e de sua racionalidade. Como afirmamos há uma semana neste espaço, o sr. Covas saiu-se razoavelmente bem do imenso desafio imposto pela pandemia de covid-19 e isso, por si só, o credencia a continuar à frente da Prefeitura. Nenhum dos outros candidatos teve essa experiência, tão necessária no momento em que a pandemia dá sinais de que pode recrudescer e quando ainda há muito a fazer para que a cidade volte ao normal.
Ademais, no cotejo de propostas, está claro que apenas um dos campos, o de Bruno Covas, trabalha mais ou menos dentro da realidade orçamentária; seu adversário insiste em oferecer ilusões ao eleitor, subestimando custos e inventando receitas onde não existem. Faz parecer que os problemas, a começar pelos sociais, podem ser resolvidos apenas com base na vontade.
São Paulo não pode se prestar a ser laboratório de experiências já testadas e fracassadas. Se isso já seria uma temeridade em condições normais, durante uma crise como a atual, que envolve múltiplas dimensões, seria simplesmente insano. A cidade tampouco pode servir de ringue para a rinha entre Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, que já esgotou a paciência do País.
É preciso olhar para a frente. A recondução do prefeito Bruno Covas hoje seria um poderoso símbolo da superação, ao menos no nível municipal, do antagonismo que ainda faz muito mal ao País e que reduz tudo a uma guerra insana entre o ruim e o pior. O choque da eleição de 2018 basta para que os eleitores tenham ciência do quão alto é o custo de um salto no escuro.