Postado às 05h44 | 15 Abr 2020
Editorial do Estado de São Paulo
Conter a pandemia é condição para a retomada econômica, e isso dependerá de medidas como o isolamento social, sustenta o Fundo Monetário Internacional (FMI) em documento sobre as perspectivas mundiais. Economistas e diretores do Fundo mostram-se alinhados com a Organização Mundial da Saúde (OMS), advogando medidas de prevenção para impedir o colapso dos serviços médicos. Boas políticas sanitárias tornarão mais provável a reativação a partir do segundo semestre e algum desafogo em 2021. A melhor forma de atenuar o impacto econômico da pandemia é atacar o vírus, deixaram claro, numa entrevista conjunta em 3 de abril, a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, e o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. A experiência, o conhecimento e o bom senso dos técnicos e dirigentes das duas instituições são negados pelo presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores. Todos vão morrer algum dia, argumentou Bolsonaro numa declaração recente.
Mesmo com a contenção da pandemia, o balanço geral de 2020 será muito ruim, segundo as projeções da Perspectiva Econômica Mundial (World Economic Outlook), a mais importante publicação periódica do FMI. Na pior crise desde a Grande Depressão de 90 anos atrás, a economia brasileira deve recuar 5,3% em 2020, acompanhando uma contração global de 3%, segundo projeção do Fundo Monetário Internacional.
Mas esse cálculo vale para um cenário com a pandemia chegando ao pico no segundo trimestre e amainando na segunda metade do ano. Num quadro mais tenebroso, o produto global poderá encolher 6%. Para a maioria dos países será um desastre quase inimaginável mesmo neste momento.
A retomada econômica vai depender das condições sanitárias, como já haviam afirmado, no começo do mês, os dirigentes do FMI e da OMS. A defesa da vida criará as condições necessárias para a reativação. Se a difusão da covid-19 for achatada com o isolamento social, os sistemas de saúde poderão enfrentar a doença, e isso levará à reativação, disse a economista-chefe do Fundo, Gita Gopinath. “Nesse sentido”, acrescentou, “não há dilema entre salvar vidas e salvar as condições de sustento.”[DAS FAMÍLIAS]
Mantido o isolamento, os governos terão de continuar apoiando trabalhadores e empresas. Será preciso, segundo o FMI, continuar gastando muito com os sistemas de saúde e com a ajuda às famílias durante a crise. Os bancos centrais devem persistir no estímulo à expansão do crédito. Os governos, dentro de suas possibilidades, precisam manter os cofres abertos por algum tempo.
Muitos países precisam de ajuda. O FMI já iniciou socorro a mais de 90 nações e vem concedendo e recomendando a concessão de facilidades aos endividados, além de doações e de financiamentos em condições especiais. O próprio Fundo maneja um orçamento de US$ 1 trilhão para ajuda a países vulneráveis.
Nenhuma economia ficará ilesa. O crescimento chinês deve passar de 6,1% em 2019 para 1,2% em 2020. Os Estados Unidos devem sofrer contração de 5,9% neste ano. No ano passado houve expansão de 2,3%. Mas a retomada será sensível, em 2021, se a pandemia for contida como no cenário básico. Nesse quadro o Brasil crescerá 2,9% no próximo ano, bem abaixo da média global de 5,8%, por causa das severas limitações do País.
Os cenários incluem um severo choque financeiro. Os emergentes entraram numa tempestade perfeita – pandemia, queda do preço do petróleo, aumento da aversão ao risco e perspectiva de recessão global. Essa avaliação está no Relatório de Estabilidade Financeira Global, também divulgado ontem. As moedas de países exportadores de commodities, como Brasil, Colômbia, México, Rússia e África do Sul, caíram mais de 20% em relação ao dólar no primeiro trimestre, movimento em boa parte explicável pela fuga de capitais.
A recuperação exigirá, em 2021, um duro reparo dos fundamentos econômicos, a começar pelas contas públicas. Mas tudo será pior se a precipitação prejudicar o combate à pandemia. Mais que o atraso na retomada, haverá muitas mortes a lamentar.