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Editorial do Estado de São Paulo:"Bolsonaro, o autor das crises"

Postado às 08h21 | 31 Mai 2020

Editorial do Estado de São Paulo

Com frequência, o presidente Jair Bolsonaro coloca-se como vítima. O discurso é de que seu governo enfrenta uma descomunal resistência por parte dos outros Poderes, da esquerda, da academia, da imprensa, dos organismos internacionais e de todos os que não estão de acordo com sua pauta “conservadora”. Tal perseguição seria a causa das muitas crises que o seu governo tem enfrentado. Ainda que amplamente difundida por seus robôs e apoiadores, essa retórica não tem nenhum fundamento na realidade. As crises, que com razão trazem crescente preocupação aos brasileiros, foram e são causadas apenas e tão somente por Jair Bolsonaro. É ele que deliberadamente tem insistido em produzir, a cada semana, uma nova instabilidade, uma nova fonte de atrito com todos os que não se dispõem a prestar-lhe vassalagem.

Foi Jair Bolsonaro que criou, por exemplo, a crise que desembocou na demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde. Não havia oposição à gestão de Mandetta. Ao contrário, era uma das poucas áreas do governo que recebiam elogio e reconhecimento de vários setores da sociedade. No entanto, para espanto de todos - afinal, o País começava a enfrentar o maior desafio de sua história na área da saúde -, o presidente Bolsonaro fez de tudo para se indispor com Mandetta.

Demitido Mandetta, Nelson Teich assumiu o cargo. Apesar do caráter inusitado da troca no meio da pandemia, houve por um tempo a expectativa de que a mudança na Saúde diminuiria as tensões, permitindo que a pasta realizasse o seu trabalho. Mas, para nova surpresa do País, em menos de um mês, Jair Bolsonaro indispôs-se com o ministro da Saúde, exigindo que ele tomasse medidas contrárias às evidências médicas. Novamente, não houve nenhuma ingerência externa a gerar desgaste para Nelson Teich. Foi Jair Bolsonaro que inviabilizou sua permanência na pasta.

Outra crise gerada exclusivamente pela atuação presidencial deu-se no Ministério da Justiça, com a demissão de Sérgio Moro, até então o ministro mais popular do governo. Jair Bolsonaro insistiu em realizar, contra a vontade de Moro e sem motivos plausíveis, a troca do diretor-geral da Polícia Federal (PF) Maurício Valeixo e do superintendente do órgão no Rio de Janeiro. Naquele momento, não havia nada pressionando a saída de Sérgio Moro da pasta da Justiça. Foi Jair Bolsonaro que inviabilizou a permanência do ex-juiz da Lava Jato no governo.

E foram precisamente essas ações do presidente da República que levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a abrir inquérito, a pedido da Procuradoria-Geral da República, para investigar possível interferência política na PF. Todo o País estava voltado para uma única questão - o enfrentamento da crise sanitária, social e econômica causada pela pandemia do novo coronavírus. A autonomia da PF não estava na pauta. Foi Jair Bolsonaro que criou essa crise que, por motivos óbvios, causou grave instabilidade.

Outra grave crise é a tensão entre o governo federal e o STF. Mais uma vez, seu criador se chama Jair Bolsonaro. Aqui, há um aspecto interessante, que põe por terra a retórica bolsonarista da perseguição contra o presidente. De forma escancarada, quem persegue e afronta é Jair Bolsonaro, com a participação ativa de seus apoiadores. Por exemplo, Bolsonaro tem comparecido frequentemente a manifestações que pedem nada mais nada menos que o fechamento do STF. Semanas atrás, o presidente Bolsonaro levou de surpresa uma turba de apoiadores para constranger o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, em seu gabinete. Nas redes sociais, a ofensiva contra o STF é assustadora. Poucos são os brasileiros que não recebem, todos os dias, alguma mensagem de ataque ou de ameaça das redes bolsonaristas contra integrantes do Supremo. E tudo isso porque o presidente Jair Bolsonaro se sente incomodado com decisões que lhe são desfavoráveis. Ora, o papel constitucional do STF é defender a Constituição, e não assentir a tudo o que o chefe do Executivo faça.

O País vive um momento especialmente delicado, por questões médicas, sociais e econômicas. Basta com a irresponsabilidade - verdadeiro escárnio com a população e o interesse público - de criar continuamente novas crises.

 

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