Postado às 05h52 | 11 Mai 2020
Editorial do estado de São Paulo
Estão bem longe da perfeição as instituições republicanas do Brasil. Não são poucos os exemplos de abusos ou omissões do Supremo Tribunal Federal ou de corrupção e irresponsabilidade do Congresso. Ainda assim, se o Brasil pretende permanecer uma democracia, é preciso lutar para aperfeiçoar e prestigiar esses pilares, e não sugerir, como fazem os bolsonaristas, que estaríamos melhor sem eles.
Do mesmo modo, a saúde da democracia se mede pelo vigor da oposição. Nenhum grupo no poder que se considere democrático pode tratar a oposição como se fosse uma ameaça existencial. No Brasil sob a Presidência de Jair Bolsonaro, contudo, todos os que não devotam total lealdade ao governo são vistos não como opositores, mas como inimigos que almejam destruir o País.
O bolsonarismo, como todo movimento de corte autoritário, vive de cevar fantasmas para atemorizar a sociedade. A todo momento, vozes muitas vezes autorizadas por Bolsonaro – quando não o presidente em pessoa – invocam das trevas imaginárias a assombração da volta do lulopetismo ao poder. Segundo esse discurso, quem contraria Bolsonaro – na imprensa, no Congresso e no Judiciário – faz parte de uma grande conspiração para ressuscitar a turma de Lula da Silva, o Belzebu do bolsonarismo.
Nada nem ninguém escapa desse julgamento sumário – até o ex-ministro Sérgio Moro, outrora herói bolsonarista, foi chamado de “Judas” pelo presidente Bolsonaro porque ousou contestá-lo. Se o Supremo toma decisões que atrapalham o projeto de poder bolsonarista, como tem acontecido com frequência ultimamente, isso significa que os ministros togados estão a serviço do diabo, que não é vermelho à toa. Se o Congresso não vota os projetos do governo e não aceita sem discussão todas as medidas, inclusive as esdrúxulas e as ilegais, emanadas do Palácio do Planalto, então está claro que os políticos continuam a ser o grande empecilho para a redenção nacional prometida por Bolsonaro.
O bolsonarismo empenha-se em fazer o País acreditar que poucos brasileiros hoje se abalariam em defender o Supremo e o Congresso, especialmente quando estes se negam a atender aos desejos de Bolsonaro. Afinal, dizem, Bolsonaro é justamente a resposta natural e necessária a um sistema podre, que só pode ser aniquilado de vez por alguém como ele, que deliberadamente ignora os mais básicos princípios do exercício da Presidência. Sendo assim, quando desrespeita as instituições republicanas, Bolsonaro, segundo os ideólogos do movimento que leva seu nome, na verdade está enfrentando corajosamente os responsáveis pela destruição do Brasil.
Nessa mistificação que faria inveja aos fabuladores petistas em seus bons tempos, Bolsonaro surge como o campeão da guerra para livrar o País da corrupção e do “marxismo cultural”, cuja máxima expressão é o Foro de São Paulo, organização de partidos esquerdistas latino-americanos que só petistas nostálgicos e bolsonaristas paranoicos ainda levam a sério.
Para o bolsonarismo, o Foro de São Paulo e o PT de Lula da Silva são mais perigosos para o País do que o coronavírus, tratado pelo presidente Bolsonaro como uma “gripezinha”. Pouco importa que Lula da Silva seja hoje praticamente um zumbi político, que só aparece no noticiário quando sofre suas rotineiras derrotas na Justiça nos diversos processos a que responde por corrupção.
Lula, o PT e a esquerda latino-americana são as estrelas do bestiário bolsonarista, que o presidente brande sempre que precisa justificar os atos injustificáveis de sua funesta Presidência. Mais de uma vez, Bolsonaro cobrou apoio incondicional a seu governo sob o argumento de que, sem isso, “o PT volta” ou então “o Brasil vai se transformar numa Venezuela”.
No mais recente exemplo disso, durante a vergonhosa intrusão no Supremo Tribunal Federal protagonizada por Bolsonaro e um punhado de sindicalistas patronais, para pressionar aquela Corte a flexibilizar as medidas de isolamento adotadas contra a pandemia de covid-19, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que “a economia está começando a colapsar e não queremos o risco de virar uma Venezuela” ou “de virar sequer a Argentina”.
Cruz-credo!