Postado às 07h42 | 26 Set 2021
Editorial do Estadão
Nota-se na população um sentimento de ceticismo em relação à política. Os governos petistas e o bolsonarista parecem ter minado a esperança de um futuro melhor por meio da política. Diante do histórico recente do País, seria ingenuidade – esta é a impressão amplamente difundida – nutrir alguma expectativa de dias melhores por meio da política.
Lula e Bolsonaro não apenas contribuíram para a atual polarização político-ideológica que divide o País. Com seus respectivos escândalos, negacionismos e incompetências, o lulopetismo e o bolsonarismo difundiram uma profunda desesperança em relação à política. Nos tempos atuais, o slogan da campanha eleitoral do humorista Tiririca – “pior que tá não fica” – soa falso. Parece já não haver limites para o retrocesso institucional e a degradação cívica.
Para piorar, Lula e Bolsonaro valem-se dessa desesperança, que eles mesmos difundiram e continuam a difundir, para alavancar suas bases eleitorais. Não oferecem propostas políticas transformadoras, aptas a enfrentar com responsabilidade os problemas e entraves nacionais. A tática é meramente negativa. Cada um vale-se do medo do outro – do medo de que as coisas piorem ainda mais – na tentativa de angariar algum apoio da população.
Diante desse círculo vicioso, não seria exagero chamá-lo de infernal, é preciso lembrar que os efeitos deletérios do lulopetismo e do bolsonarismo não podem ser atribuídos à política. Lula e Bolsonaro são, com todo o rigor do termo, a antipolítica. Em vez de conduzirem à frustração com a política, os fracassos e escândalos dos governos petistas e bolsonarista são um poderoso alerta sobre a necessidade da política e, consequentemente, da esperança.
Dito de outra forma, não é que a política fracassou ao tentar resolver os problemas nacionais. Lula e Bolsonaro nunca quiseram resolver os problemas nacionais. Suas pretensões sempre se limitaram a perpetuar-se no poder. É precisamente essa perversão da política que produz a desesperança.
Também não é verdade que Lula e Bolsonaro sejam forças políticas imbatíveis, contra as quais não valeria a pena se insurgir. As eleições de 2020 mostraram uma realidade política bem mais plural do que o lulopetismo e o bolsonarismo gostariam de admitir. Cinco partidos se destacaram quanto ao número de prefeitos eleitos: MDB (783), Progressistas (687), PSD (654), PSDB (521) e DEM (466). O PT e o PSL, a última legenda de Jair Bolsonaro, elegeram 182 e 90 prefeitos, respectivamente.
Há espaço para a política, como também o há para a esperança. Não existe nenhum motivo, a não ser o interesse de Lula e de Bolsonaro, para que o País fique refém dessas forças do atraso. Ainda há muito a fazer para se ter uma candidatura de centro competente e responsável, com vigorosa viabilidade eleitoral. Mas as condições já estão dadas. Basta ver os altos índices de rejeição de Lula e de Bolsonaro.
É gritante que a população prefere ter outras opções políticas. O eleitor não tem nenhum interesse em ficar refém – afinal, tal limitação não lhe traz nenhum benefício – dos mesmos nomes e dos mesmos problemas. Aqui, entra em cena a política. Se Lula e Bolsonaro produzem desesperança e se valem dela para seus objetivos eleitorais, as lideranças políticas têm a responsabilidade de realizar a equação inversa, tão própria da política: a propositura de nomes e programas consistentes, capazes de tornar visível à população a possibilidade de um futuro diferente, de um futuro melhor.
Nessa empreitada por dias melhores, deve-se destacar também outro aspecto. Ainda há tempo, mais que suficiente, para a construção de opções políticas responsáveis e viáveis para as eleições presidenciais de 2022. Logicamente, os mercadores da desesperança não têm nenhum interesse em admitir esse fato e ficam repetindo suas asfixiantes disjuntivas. Tentam, assim, negar não apenas a essência da política e da democracia, como o núcleo da esperança e da liberdade: a existência de outros caminhos possíveis.