Postado às 08h35 | 23 Jun 2020
Editorial do Estado
O presidente Jair Bolsonaro enviou três representantes graduados para conversar com o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes na sexta-feira passada. Consta que foi um gesto político de Bolsonaro para tentar construir um canal de diálogo com o Supremo, depois de sucessivos reveses judiciais de bolsonaristas, do próprio presidente e de seus familiares.
Bolsonaro parece, mais uma vez, confundir as coisas. Talvez imagine que seus dissabores no Judiciário tenham sido motivados por ressentimento dos magistrados diante dos constantes reptos que há tempos lança contra o Supremo – inspirando inclusive seus seguidores e até um ministro de Estado a defender explicitamente o fechamento da Corte e a prisão de seus ministros.
Talvez não passe pela cabeça do presidente que os problemas que ele e os bolsonaristas enfrentam na Justiça sejam na verdade fruto de consistentes suspeitas de malfeitos diversos, que devem ser devidamente investigadas. Bolsonaro parece julgar que um gesto seu de apaziguamento seria suficiente para interromper esses processos, que os bolsonaristas entendem ser “políticos”.
Nesse sentido, a escolha do ministro Alexandre de Moraes para receber a visita dos emissários de Bolsonaro tinha o objetivo específico de afagar aquele que hoje concentra alguns dos mais espinhosos casos envolvendo bolsonaristas no Supremo. Não se sabe se o ministro Alexandre de Moraes se deixou comover pela atitude de Bolsonaro, mas é improvável que a embaixada bolsonarista tenha o efeito desejado pelo presidente.
Tampouco há notícias de que o ministro pretenda mudar o curso dos processos que preside depois que Bolsonaro, como suposta prova de disposição ao diálogo, sacrificou seu ministro mais bolsonarista, Abraham Weintraub, porque este havia ofendido os integrantes do Supremo.
O Supremo já deixou claro, em diversas oportunidades, que não se dobra nem às ameaças nem às artimanhas de Bolsonaro. Há hoje na Corte clara disposição de seguir adiante com as investigações que podem comprometer os camisas pardas bolsonaristas, alguns dos parlamentares mais fiéis ao presidente e um punhado de empresários acusados de financiar a máquina de destruição de reputações a serviço do bolsonarismo. Um dos processos, inclusive, pode levar a questionamentos a respeito da lisura da campanha que elegeu Bolsonaro em 2018.
A esta altura, é preciso ser muito ingênuo para acreditar que o presidente queira realmente distender sua relação com o Supremo, especialmente depois de ter dito, quase sempre aos gritos, que era preciso impor “limites” àquela Corte, que não cumpriria ordens judiciais “absurdas” e que “está chegando a hora de tudo ser colocado no seu devido lugar”. E ingenuidade não parece ser um traço encontradiço entre os ministros do Supremo.
Bolsonaro não está, como nunca esteve, interessado em “harmonia” com os demais Poderes, pois essa palavra não consta do léxico de um movimento que surgiu com o objetivo explícito de desmoralizar as instituições democráticas que se interpuserem em seu caminho. É o confronto permanente que justifica e alimenta esse movimento liberticida, razão pela qual todo recuo é apenas tático, quando não simplesmente um embuste para enganar incautos.
O aceno do presidente ao Supremo é, assim, somente uma encenação de maus atores, incapazes sequer de fingir que aceitam a democracia. Um presidente que espera que a mais alta Corte do País se submeta a seus caprichos só porque mandou ministros para uma visita de cortesia ou porque demitiu um ministro inconveniente é um presidente que não entendeu nem seu papel institucional nem a Constituição do País que governa.
Confiar na disposição de Bolsonaro para buscar uma “trégua” é o mesmo que crer em sua capacidade de se tornar o estadista que ele jamais foi. O único propósito do presidente é atrair o Supremo para seu pantanoso território, em que os interesses privados de sua encrencada família são confundidos com os mais altos interesses públicos.
Espera-se que o Supremo resista a mais essa tentativa do presidente de envolvê-lo em politicagem rasteira e, estritamente conforme a lei, determine diligentemente a punição dos que cometeram crimes, sejam eles quem forem.